São Paulo, quinta-feira, 11 de maio de 2000
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Toda relação com idoso é delicada


Ed Viggiani/Folha Imagem
Francisca dos Santos, 88, feliz da vida com a acompanhante, Valderene Grando, 28



Os conflitos com o acompanhante são bastante comuns, mas podem ser evitados; especialistas mostram como


MARIANA SGARIONI
free-lance para a Folha

"Eu não como o que ela faz. Essa comida tem um gosto horrível. Além disso, ela sempre esquece de me dar o remédio na hora certa", diz Mafalda Campos de Mendonça, 82, se referindo à sua acompanhante. Depois de sofrer dois derrames e perder a mobilidade nas pernas, Mafalda precisa de alguém que a supervisione o dia todo -uma tarefa árdua para sua filha única, a administradora de empresas Maria Antônia Mendonça, 59.
"Eu trabalho fora e não posso ficar com ela. Já tentei contratar várias pessoas, e ela implica com todas. Uma porque não sabe cozinhar, outra porque não sabe falar, e por aí vai. Ninguém dura muito tempo aqui, em casa", conta a administradora.
O problema de Maria Antônia é mais comum do que se pode imaginar. Com o aumento da expectativa de vida, cresce cada vez mais a procura por acompanhantes para a terceira idade -profissional que presta cuidados de enfermagem e também faz companhia ao idoso. Porém os conflitos costumam ser inevitáveis.
Expectativas dos filhos
"Há muitas expectativas da própria família em relação à velhice que são frustradas. Espera-se que, quando o pai ou a mãe envelhecer, não vão ficar do jeito que ficam. O que acaba acontecendo é uma certa falta de sensibilidade da família, e as queixas são encaradas como "birra" ou "coisa de velho'", afirma Ruth Lopes, psicóloga supervisora do atendimento de idosos da PUC.
Na maioria das vezes, a dificuldade dos filhos está justamente em detectar até que ponto o idoso está fantasiando, e mais, de forma involuntária.
Segundo Maria do Carmo Sitta, médica assistente do serviço de geriatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, o mal de Alzheimer -doença que destrói as células nervosas no cérebro- atinge cerca de 20% das pessoas acima de 80 anos e provoca delírios e mudanças no comportamento. Por exemplo: a pessoa acredita que tomou banho ou trocou de roupa quando, na verdade, apenas ligou e desligou o chuveiro ou mexeu no armário.
Há três anos, a mãe do fotógrafo Milton Carelo, 43, veio morar com ele em São Paulo. Ela estava com 87 anos e já sofria do mal de Alzheimer, mas ninguém sabia. Até que esse problema fosse diagnosticado, sete funcionárias passaram pela casa de Carelo em apenas um ano.
"Minha mãe esquecia onde colocava suas roupas e acusava todo mundo de roubo. Depois que o médico nos disse que ela estava doente, resolvemos colocá-la em uma casa de saúde, uma decisão bastante difícil", diz ele.
Na contratação do acompanhante, a família deve se preocupar com o perfil do profissional. Não basta gostar do idoso, ele deve ser treinado para compreender e lidar com as situações da velhice, mesmo que o idoso esteja saudável.
"Os anos de vida fazem com que a pessoa fique menos paciente e mais fragilizada. O acompanhante tem de estar preparado para isso e não pode tentar anular o idoso, como se ele fosse uma criança", explica Rita de Cássia Chamma, enfermeira especialista em geriatria do Coren (Conselho Regional de Enfermagem) de São Paulo.
O enfermeiro Aristides Luís de Souza, 27, leva essa orientação a sério nas seis horas diárias que passa ao lado do ex-procurador da Justiça Jorge Leite Ribeiro, 92. "O Aristides é a visão e a audição do meu pai, que, graças a ele, consegue levar uma vida normal: vai ao banco, faz compras e até visita seus amigos no fórum", afirma Eduardo Leite Ribeiro, 46.
O respeito à autonomia deve ser mantido mesmo quando o idoso tem limitações físicas mais graves. É o caso de Francisca Anastácio dos Santos, 88, que sofre de artrose nos dois joelhos e passa boa parte do tempo em uma cadeira de rodas.
"Deve ser constrangedor para ela ter que depender de outra pessoa e por isso mesmo devo tratá-la com paciência e respeito", afirma Valderene Grando, 28, sua acompanhante.
Elas convivem harmoniosamente há cinco meses. "Gostei dela desde o primeiro momento. Ela é mais que uma acompanhante, é uma filha", diz Francisca.
Para a família do idoso, um relacionamento tão próximo assim pode ser problemático, principalmente no início. "Os conflitos surgem porque o cuidador interfere na dinâmica de uma família. Por isso é importante que os familiares estejam abertos para discutir até que ponto o acompanhante pode e deve interferir na vida do idoso", explica a assistente social Naira Dutra Lemos, do Centro de Estudos do Envelhecimento da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo.
Carmem, Liliana e Márcia conversaram muito antes de escolher a acompanhante de sua mãe, Luzia Antônia Cerullo, 83. Abalada pela morte do marido em 92, Luzia começou a perder sua auto-suficiência gradativamente. "Minha mãe sempre foi muito independente e seria uma sentença de morte para ela obrigá-la a se mudar e morar com uma de nós", explica Liliana Cerullo Duarte Cancela, 61.
As três irmãs entrevistaram várias pessoas. Mas, de acordo com Liliana, a maioria era muito exigente. "Teve candidata que chegou a dizer que as visitas seriam limitadas, mas nenhuma de nós estava disposta a dar nossa mãe de "presente" para uma estranha", diz Liliana.
Depois de passar por três experiências malsucedidas, Luzia ganhou a companhia de Maria do Socorro Ferreira Vaz, 31. As filhas visitam a mãe todos os dias, passeiam, levam ao médico. Mas é Maria do Socorro quem cuida de Luzia 24 horas por dia há sete anos. Para Liliana, a acompanhante é "uma benção; ela tem iniciativa, é responsável, paciente e faz tudo para que minha mãe fique bem".


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