São Paulo, quinta-feira, 02 de abril de 2009
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SAÚDE

Frio terapêutico

Médicos abaixam a temperatura do corpo do paciente para reduzir o metabolismo, recuperar danos musculares e até queimar gordura

Biwa Inc/Gettyimages
Hipotermia é usada para prevenir sequelas em cirurgias, aliviar dor muscular e evitar queda de cabelo na quimioterapia

CLÁUDIA COLLUCCI
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O efeito terapêutico das baixas temperaturas é conhecido há 2.500 anos, desde quando os egípcios faziam uso do frio para tratar feridas e inflamações e os gregos utilizavam gelo ou neve para estancar um sangramento ou reduzir um inchaço.
Temperaturas baixas favorecem a vasoconstrição, diminuem a sensação de dor e reduzem inflamação, edemas e metabolismo.
Essas características não mudaram com o tempo, mas suas possibilidades de aplicação se expandem cada vez mais, na forma de uma técnica que ficou conhecida como hipotermia terapêutica.
A hipotermia é uma condição geralmente ruim para o paciente, que não consegue controlar a temperatura corpórea e pode sofrer sequelas ou morrer, pois o organismo necessita estar a 37ºC, em média, para funcionar bem.
Mas, quando é terapêutica, a técnica favorece procedimentos cirúrgicos ou reduz inflamações por esse mesmo mecanismo, desde que sempre haja controle médico rigoroso.
Um bom exemplo é a hipotermia local na cabeça de pacientes que precisam se submeter à quimioterapia.
A alopecia é um dos mais temidos efeitos colaterais do tratamento de câncer, especialmente por mulheres. A combinação de drogas utilizada na quimioterapia atinge o bulbo capilar e causa a queda do fio.
Estudos iniciais realizados no IPC (Instituto Paulista de Cancerologia) mostram que, no primeiro ciclo de quimioterapia, pacientes que passaram pela hipotermia perderam 20% dos seus cabelos, enquanto as que não usaram a técnica de resfriamento tiveram uma queda de 70% dos fios. Estudos europeus têm dados parecidos.
O paciente usa uma touca com um gel congelado a uma temperatura de -25ºC. A touca é colocada na cabeça 15 minutos antes do início da aplicação dos quimioterápicos e trocada a cada 45 minutos. Cada sessão de químio dura, em média, duas horas.
Segundo o médico Hézio Jadir Fernandes Júnior, diretor do IPC e responsável pelo projeto, quando o couro cabeludo é submetido a baixas temperaturas, ocorre uma vasoconstrição e uma diminuição do fluxo sanguíneo, fazendo com que os medicamentos da químio atinjam o bulbo capilar com menos intensidade.
Mas ele avisa que o método não evita completamente a perda de cabelo. "Sempre há alguma queda, em torno de 20%, 30%. Isso não é o suficiente para deixar a mulher calva, mas muitas se incomodam com as falhas e preferem cortá-lo. Outras não conseguem ficar sete dias sem lavar o cabelo [o que é recomendado após a hipotermia]", explica o médico.
A professora Adelaide Tavares Rancan, 39, fez três ciclos de quimioterapia com hipotermia e, apesar de ter perdido quase metade do cabelo, se diz satisfeita. "Tinha muito medo de perder tudo. Na frente e nas laterais da cabeça quase não caiu. Atrás, dá para perceber algumas falhas. Mas uso um chapeuzinho e está tudo bem", diz ela, que teve diagnosticado um câncer de mama em 2008.
Apenas uma das 12 pacientes que usaram a técnica até agora se queixou de desconforto em relação ao frio, afirma Fernandes Júnior. "Tomamos um cuidado muito grande no desvio da orelha, para que o frio não afete o pavilhão auditivo."

Em cirurgias
Especialistas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) usam hipotermia durante a cirurgia de pacientes com aneurisma cerebral. Nessa técnica, a tábua óssea do crânio (que reveste todo o cérebro) é retirada e, então, é colocada uma bolsa de gelo que reduz a temperatura local para 30ºC. Após o procedimento, a equipe realiza a cirurgia.
"Existem muitas pesquisas que buscam obter substâncias neuroprotetoras [durante uma cirurgia no cérebro], mas até hoje a melhor é a hipotermia", diz o neurocirurgião Mirto Prandini, professor e diretor do Laboratório de Técnicas Neurocirúrgicas da Unifesp.
Quando o cérebro sofre uma lesão, produz neurotransmissores excitantes em maior quantidade, que não são benéficas nesse cenário. O uso de gelo reduz a produção dessas substâncias estimulantes e diminui o inchaço cerebral, que pode levar à morte.
No caso de hipertensão craniana maligna, um quadro de pressão excessiva no cérebro, a bolsa de gelo ajuda a reduzi-la em até 50%.
"Realizamos o procedimento em alguns pacientes com pressão alterada no Hospital São Paulo", afirma Prandini, que contabiliza 400 cirurgias de aneurisma e 23 de hipertensão craniana com aplicação de hipotermia terapêutica.
A partir do segundo semestre deste ano, o Instituto do Coração também vai utilizar a hipotermia em vítimas de parada cardíaca, para aumentar a sobrevida e reduzir as chances de sequelas neurológicas.
No procedimento, a temperatura é mantida entre 32ºC e 34ºC nas primeiras 24 horas. Entre os métodos usados para resfriar o paciente estão roupas com sistema de refrigeração e capacete que promove a infusão de ar gelado no cérebro.
Segundo o cardiologista Sergio Timerman, diretor do Laboratório de Treinamento e Simulação em Emergências Cardiovasculares do instituto, a parada cardíaca é o maior estresse químico que o organismo pode sofrer. "Se a pessoa não morre na hora, pode morrer depois de insuficiência cardíaca. A hipotermia reduz o metabolismo, o consumo de oxigênio das ações vasoconstritoras e vasodilatadoras e o risco de infecção."
O objetivo é reduzir a temperatura do corpo para "congelar" os possíveis danos causados pela falta de oxigênio -como paralisia e dificuldades de fala, locomoção e memória.

Recuperação muscular
Atletas também buscam formas menos invasivas de usar o frio como tratamento.
A técnica é bastante usada por aqueles que exigem muito da musculatura. "A ideia é causar um resfriamento da área e vasoconstrição. Também diminui as microlesões e provoca sensação de alívio, pois o gelo dá uma anestesiada na região", diz Daniel Portella, fisiologista do Corinthians.
Ao mergulhar os membros mais exigidos em água com gelo, os vasos sanguíneos se contraem e, no caso de um trauma agudo, esse mecanismo reduz inchaços e inflamações.
O judoca Tiago Camilo, medalhista na Olimpíada de Pequim, também é adepto da técnica. Três vezes por semana, ele faz levantamento de peso para fortalecer a musculatura. Depois, passa cerca de dez minutos em um tonel de gelo, para se recuperar para o próximo treino à noite, de judô.
"Isso me deixa mais disposto. Comecei a fazer um trabalho mais contínuo. Sinto que a musculatura se recupera mais rapidamente e não tenho tanta dor muscular", diz.
Ainda em estudos, pesquisadores de Harvard buscam um novo mecanismo, que chamaram de criolipólise, para facilitar a quebra das células adiposas e eliminar gordura localizada de forma não invasiva. O método foi apresentado no encontro da Academia Americana de Dermatologia.
"Criamos a técnica e, agora, uma empresa desenvolve a tecnologia e realiza diversos testes clínicos", disse à Folha Dieter Manstein, dermatologista da Harvard Medical School.
De acordo com um trabalho publicado na revista "Lasers in Surgery and Medicine", a técnica consiste em resfriar a região a até -7ºC de cinco a 15 minutos. O resfriamento causaria uma paniculite (inflamação na gordura subcutânea) e uma posterior perda dessa gordura.


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