São Paulo, quinta-feira, 02 de setembro de 2004
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s.o.s. família

rosely sayão

Ensinar o filho a se cuidar ou cuidar dele?

Muitos pais estão extremamente preocupados com a segurança dos filhos nestes tempos em que as notícias a respeito de seqüestros de crianças e jovens marcam presença forte nos meios de comunicação. Por conta da violência, a vida está mesmo bem difícil para pais e filhos. Uma das questões educativas que mais fica prejudicada neste momento é a meta da autonomia dos mais jovens. Afinal, qual o pai e qual a mãe que, sem pestanejar, permitem ao filho ser independente ou o incentivam a exercer seu potencial de liberdade de ir e vir sozinho até os locais que cotidianamente precisa freqüentar, como a escola, por exemplo?
Hoje, muitos pais fazem questão de acompanhar os filhos, de carro ou caminhando, no trajeto da casa à escola.
É bem compreensível esse cuidado, não é verdade? Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que essa atitude tão natural e necessária de cuidar do filho e de tentar protegê-lo dos perigos do mundo corre o risco de se transformar em prisão e em obstáculo ao crescimento. O assunto é bem delicado, principalmente neste momento, mas merece nosso esforço de reflexão.
Vamos considerar, em primeiro lugar, o cerco que muitos pais têm feito às escolas, solicitando a elas que tomem providências relativas à segurança de seus alunos, seja na hora da entrada e da saída, seja na hora do recreio ou intervalo. Muitas delas, aliás, têm-se rendido a essas quase exigências: seguranças rondando o local e com presença ostensiva nos portões, alunos que só podem sair quando a chegada dos pais é anunciada pelo microfone, mecanismos informatizados de identificação na entrada e na saída do prédio são alguns exemplos de medidas que já podemos observar em muitas escolas.
Ocorre que a escola representa o mundo para seus alunos. É pelas mãos da escola que os alunos são introduzidos na vida pública e aprendem a se relacionar com e no meio em que vivem. Criar mecanismos privados de segurança no ambiente escolar significa criar um mundo ilusoriamente protegido, à parte deste em que vivemos atualmente, o que, na verdade, contribui para a formação da segregação social.
Certamente, não será assim que os mais novos aprenderão a reconhecer os riscos e os perigos que os cercam para saber como agir e como pedir ajuda nos momentos necessários. Além disso, e o mais importante: o investimento de energia, de tempo e de capital, entre outros, que a escola faz em segurança significa, necessariamente, perda de investimento em educação. Não é à escola que os pais devem solicitar medidas de segurança. Aliás, os pais podem -isso sim- unir suas forças com as da escola para encaminhar seus pedidos aos órgãos responsáveis.
Em segundo lugar -e não em termos de importância-, é preciso considerar que os filhos precisam, desde cedo, aprender a conhecer o mundo que os espera. É neste mundo que eles vivem e que vão viver mais tarde, quando atingirem independência e autonomia em relação aos pais. E, bem mais cedo do que muitos pais gostariam, eles vão cair na vida sozinhos. Por isso, quanto mais cedo lhes for ensinado que é mais importante se cuidar do que ser cuidado, maiores serão suas chances de contornar os riscos desnecessários e os previsíveis.
É claro que gostaríamos que o mundo fosse bem diferente para receber nossos filhos. Mas esse mundo que aí está foi construído por nós. Tem a nossa marca. De nada adianta nos envergonharmos tanto dele a ponto de querermos escondê-lo de nossos filhos. Eles não permitirão.
Digo sempre que trazer filhos ao mundo é, entre outras coisas, um sinal de esperança: a de que o mundo possa ser melhor. E ele poderá sê-lo, se transformado pelas mãos das novas gerações. Esse é o nosso trabalho: educar para que os mais novos aprendam a pensar no bem comum mais do que no seu próprio bem, para que tenham coragem de intervir no que impede a vida.
Viver é um risco pessoal permanente. Viver sem liberdade e sem autonomia é um risco para o futuro da humanidade.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br


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