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s.o.s. família
rosely sayão
Ensinar o filho a se cuidar ou cuidar dele?
Muitos pais estão extremamente preocupados com a segurança dos filhos nestes
tempos em que as notícias a respeito de seqüestros de crianças e jovens marcam
presença forte nos meios de comunicação. Por conta da violência, a vida está mesmo
bem difícil para pais e filhos. Uma das questões educativas que mais fica prejudicada
neste momento é a meta da autonomia dos mais jovens. Afinal, qual o pai e qual a mãe
que, sem pestanejar, permitem ao filho ser independente ou o incentivam a exercer seu
potencial de liberdade de ir e vir sozinho até os
locais que cotidianamente precisa freqüentar,
como a escola, por exemplo?
Hoje, muitos pais fazem questão de acompanhar os filhos, de carro ou caminhando, no trajeto da casa à escola.
É bem compreensível esse cuidado, não é verdade? Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer
que essa atitude tão natural e necessária de cuidar do filho e de tentar protegê-lo dos perigos do
mundo corre o risco de se transformar em prisão e em obstáculo ao crescimento. O assunto é
bem delicado, principalmente neste momento,
mas merece nosso esforço de reflexão.
Vamos considerar, em primeiro lugar, o cerco
que muitos pais têm feito às escolas, solicitando
a elas que tomem providências relativas à segurança de seus alunos, seja na hora da entrada e
da saída, seja na hora do recreio ou intervalo.
Muitas delas, aliás, têm-se rendido a essas quase
exigências: seguranças rondando o local e com
presença ostensiva nos portões, alunos que só
podem sair quando a chegada dos pais é anunciada pelo microfone, mecanismos informatizados de identificação na entrada e na saída do
prédio são alguns exemplos de medidas que já
podemos observar em muitas escolas.
Ocorre que a escola representa o mundo para
seus alunos. É pelas mãos da escola que os alunos são introduzidos na vida pública e aprendem a se relacionar com e no meio em que vivem. Criar mecanismos privados de segurança
no ambiente escolar significa criar um mundo
ilusoriamente protegido, à parte deste em que
vivemos atualmente, o que, na verdade, contribui para a formação da segregação social.
Certamente, não será assim que os mais novos
aprenderão a reconhecer os riscos e os perigos
que os cercam para saber como agir e como pedir ajuda nos momentos necessários. Além disso, e o mais importante: o investimento de energia, de tempo e de capital, entre outros, que a escola faz em segurança significa, necessariamente, perda de investimento em educação. Não é à
escola que os pais devem solicitar medidas de
segurança. Aliás, os pais podem -isso sim-
unir suas forças com as da escola para encaminhar seus pedidos aos órgãos responsáveis.
Em segundo lugar -e não em termos de importância-, é preciso considerar que os filhos
precisam, desde cedo, aprender a conhecer o
mundo que os espera. É neste mundo que eles
vivem e que vão viver mais tarde, quando atingirem independência e autonomia em relação aos
pais. E, bem mais cedo do que muitos pais gostariam, eles vão cair na vida sozinhos. Por isso,
quanto mais cedo lhes for ensinado que é mais
importante se cuidar do que ser cuidado, maiores serão suas chances de contornar os riscos
desnecessários e os previsíveis.
É claro que gostaríamos que o mundo fosse
bem diferente para receber nossos filhos. Mas
esse mundo que aí está foi construído por nós.
Tem a nossa marca. De nada adianta nos envergonharmos tanto dele a ponto de querermos escondê-lo de nossos filhos. Eles não permitirão.
Digo sempre que trazer filhos ao mundo é, entre outras coisas, um sinal de esperança: a de que
o mundo possa ser melhor. E ele poderá sê-lo, se
transformado pelas mãos das novas gerações.
Esse é o nosso trabalho: educar para que os mais
novos aprendam a pensar no bem comum mais
do que no seu próprio bem, para que tenham
coragem de intervir no que impede a vida.
Viver é um risco pessoal permanente. Viver
sem liberdade e sem autonomia é um risco para
o futuro da humanidade.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu
Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br
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