São Paulo, quinta-feira, 02 de dezembro de 2004
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outras idéias

michael kepp

O encanto estrangeiro com o Brasil não vai ficar fora de moda tão cedo. Há um desejo global cada vez maior de ver um povo otimista

Brasil, país sério -e lúdico

Os estrangeiros parecem estar se tornando cada vez mais encantados com todas as coisas brasileiras, exceto com o país em si. O Brasil continua a ser um destino tabu para a maioria dos turistas internacionais, assustados com histórias sensacionalistas da mídia internacional, como a recente matéria do jornal londrino "The Independent", que chama o Rio de "a cidade da cocaína e da carnificina". Mas, desde que possam saborear brasilidade de uma distância segura, a fascinação dos estrangeiros com o povo e a cultura parece crescer.
"Para quase todo lugar que se olhe, há um pouco de Brasil no ar", a "Newsweek" observou em outubro, dando crédito a Lula, Ronaldo, Gisele e Gilberto Gil por espalhar o contágio positivo. Lula talvez seja o principal cupido desse namoro. A revista diz que sua luta contra o protecionismo do mundo rico, "posicionando-se como um liliputiano diante do Guliver unilateral americano (...) agrada em uma era de sensibilidades pós-guerra do Iraque".
Esse namoro também pode ser explicado pela necessidade global de ver uma nação que oferece um contrapeso lúcido e lúdico em um mundo cada vez mais aterrorizado e belicoso. O escritor americano Tom Robbins escreveu recentemente que "ludicidade com seriedade pode ser um modo eficiente de domesticar o medo e a dor". Ele não propõe que se negue a existência do sofrer, mas que se use uma forma lúdica de positivismo "para impedir o domínio do sofrimento sobre nossas vidas".
Foi o que o Brasil fez, em agosto, ao enviar a seleção para jogar um amistoso no Haiti, que vive no caos desde que uma insurreição armada derrubou o seu presidente. Essa iniciativa seriamente lúdica elevou os espíritos no Haiti e concentrou a atenção do mundo no drama daquele país.
Aproximadamente 1.200 militares da força de paz brasileira abriram caminho para a seleção em seu primeiro ato -distribuir mil bolas de futebol para as crianças haitianas. As duas formas de diplomacia da bola explicariam por que a paixão do Haiti com o Brasil e seu esporte nacional "cresceu a uma proporção obsessiva", segundo matéria de agosto do "The New York Times".
Gilberto Gil também é cupido com seu cargo duplo e seriamente lúdico
de ministro-músico. Matéria do "Daily Telegraph", de Londres -cuja manchete era "Brasil tem nova energia"-, descrevia como Gil seduziu os marroquinos, no ano passado, quando, "numa manhã, fez um discurso profundo (...) e na véspera havia feito milhares dançarem ao som de seu pop brasileiro influenciado pelo reggae".
A energia de brasileiros comuns no exterior é igualmente contagiante. Na Olimpíada, eles torceram (a sério) por seus times de vôlei de praia dançando (ludicamente) ritmos baianos que fizeram toda a platéia vibrar. Essa solidariedade levou o guitarrista americano de jazz John Pizzarelli a dizer recentemente a "O Globo" que o Brasil "é o único lugar no mundo onde a platéia canta junto com você".
O encanto estrangeiro com o Brasil não vai ficar fora de moda tão cedo. Há um desejo global cada vez maior de ver um povo otimista que, por ter absorvido, em vez de alienado, diferenças raciais e culturais, pode espalhar seu positivismo inclusivo e lúdico mundo afora.
Eu mesmo, um americano que mora aqui, já usei esse namoro global com o Brasil como meu refúgio pessoal. Há vários anos, enquanto eu tentava pedir comida em português em uma pizzaria de Roma, um grupo de umas 12 pessoas numa mesa próxima me perguntou de onde eu vinha. Para evitar a reação que recebia ao dizer "dos EUA", eu disse "do Brasil", e o grupo inteiro soltou um grito: "Brasiliano!".


MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 21 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas 'Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro' (ed. Record).
@>www.michaelkepp.com.br



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