São Paulo, quinta-feira, 03 de maio de 2001
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

coluna social

Aluno bota ordem em caos na escola

Corajoso e decidido, Alexandre Silva resolveu brigar contra o caos que dominava a escola onde estuda, a E.E. Cohab Brigadeiro Eduardo Gomes, na Cohab de Taipas, zona norte de São Paulo. Fez diretor, professores, moradores do bairro e a turma de alunos da pesada escutarem o seu alerta. E está conseguindo liderar um movimento pela valorização da escola, fazendo a cabeça de mais de mil alunos, com a participação da comunidade.

Folha - A escola mudou?
Alexandre
- Quando eu cheguei, há três anos, ela estava mais depredada. Os alunos pichavam, destruíam as carteiras, quebravam os vidros. Eu e os professores tivemos que trancar os armários porque os alunos arrombavam e rasgavam os livros. Já estouraram bomba caseira também. O governo mandou arrumar e pintar, e eles destruíram tudo de novo. Acho incrível como os alunos da periferia destroem a escola que é deles.

Folha - Como você conseguiu promover alguma melhoria?
Alexandre
- Juntei uns alunos e fui falar para a direção que não estava satisfeito com a administração da escola. Disse que gostaria de formar um grupo com a comunidade, os pais dos alunos, os moradores e fazer um projeto. Entrar no grêmio ia ser muito burocrático. A situação era emergencial. Até ter eleição, ganhar, queria sair fazendo. Rápido e eficiente.

Folha - Qual o passo seguinte?
Alexandre
- Formamos um grupo de teatro, com aulas para os alunos e também para pessoas do bairro. A direção trouxe um ator para ensinar expressão corporal. Ensaiamos a peça "Romeu e Julieta". Tinha cenário e tudo.

Folha - E depois?
Alexandre
- Comecei a querer ajudar a comunidade com algo mais proveitoso que o teatro. Fiz uma festa de Halloween na escola. Tinha que pagar R$ 1 ou dar 1 kg de alimento não-perecível para entrar. Foi um sucesso. Vieram mais de 600 pessoas. Arrecadamos R$ 200 e 450 kg de alimentos. Usamos o dinheiro para comprar cortinas para a escola, e o que sobrou ficou de caixa para outros projetos. Os alimentos foram doados para os mais carentes da comunidade. Depois organizei um desfile cívico com as escolas de Taipas. Todo mundo compareceu com a camisa das escolas. Foi a primeira vez que vi os alunos com orgulho dos colégios.

Folha - Você já fez alguma coisa para limpar a escola?
Alexandre
- A campanha do lixo, no ano passado. Cada série pintava uma sala. A mais bonita iria ganhar nota A no boletim. Antes disso, os alunos pichavam muito. Depois que pintamos as salas, eles passaram a respeitar.

Folha - O seu trabalho deu resultados?
Alexandre
- Dá resultados imediatos. Não é fácil criar consciência. Os alunos não sentem que podem prosperar e não dão valor para nada. Acho muito triste. Eles depredam a escola como forma de revolta. Eu sonho em ter uma escola limpa, sair da pobreza e vencer na vida. Queria que os outros sonhassem também. Outro dia vi no jornal 120 pessoas concorrendo a vagas de gari por um salário de R$ 220. Você estuda dez anos para concorrer a uma vaga de gari. É revoltante os vereadores ganharem R$ 6.000, enquanto outros pais de família ganham R$ 120. As pessoas tinham que se organizar e protestar. Ninguém muda nada sozinho. Se fosse por mim, mudava tudo.

Folha - Por que você faz isso?
Alexandre
- Mesmo que os alunos não percebam agora, no futuro vão entender que a escola é o lugar mais importante para eles. Pra mim, é legal porque estou aprendendo com todo o tipo de gente. Vai ser bom para o meu futuro.

Folha - Você já teve vontade de desistir?
Alexandre
- Uma vez, no ano passado. Fui às classes falar do estado das carteiras e que o professor não conseguia dar aula por causa da bagunça. Na 6º C, eles começaram a me vaiar. Depois eles me chamaram e pediram desculpas.

Folha - Você já sofreu alguma ameaça ou agressão?
Alexandre
- Fui maltratado por funcionários e pela direção no início. Mas os alunos, no geral, são legais.

Folha - O que você quer ser no futuro?
Alexandre
- Vou arranjar um emprego para pagar uma faculdade de comunicação. Mas não acho essencial me formar. Universidade não garante emprego. Tenho vontade de ser apresentador de TV ou político.


Texto Anterior: Boquiaberto: Brigadeiro nas eleições
Próximo Texto: Herói
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.