São Paulo, quinta-feira, 03 de junho de 2004
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DPOC é doença que mata três brasileiros por hora

Campanha nacional oferece diagnóstico gratuito de DPOC, que é causada por cigarro e atinge fumantes e ex-fumantes

ANA PAULA DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

As estatísticas são assustadoras: a DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica) mata, em média, três brasileiros por hora e é a quinta maior causa de mortalidade no país e a sexta no mundo. Apesar disso, a doença ainda é pouco conhecida. Para tentar reverter esse quadro, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) criou o programa Respire e Viva. Desde 15 de maio, um ônibus-consultório está percorrendo o país para divulgar a DPOC e realizar diagnósticos gratuitos. Em Santos, primeira cidade visitada, das 1.357 pessoas que se submeteram ao exame, 33% têm DPOC. O dado mais alarmante, porém, é que boa parte delas nem desconfiava sofrer de uma doença incurável e potencialmente fatal. Além de desconhecida, a DPOC é silenciosa: só 30 anos após o início dos danos nas vias respiratórias é que a pessoa começa a apresentar sintomas mais claros de que está com a capacidade pulmonar comprometida, entre os quais falta de ar e tosse constante. Muitos pacientes só procuram o médico quando não conseguem mais caminhar, subir escadas e até falar, diz o médico Sérgio Menna Barreto, presidente da SBPT no Rio Grande do Sul. A DPOC caracteriza-se pela ocorrência simultânea de duas doenças que prejudicam o funcionamento dos pulmões, a bronquite crônica (inflamação dos brônquios, que causa tosse e catarro constantes) e o enfisema (destruição do tecido pulmonar, que provoca a falta de ar). O tabagismo é responsável por cerca de 90% dos casos -de 15% a 20% dos fumantes desenvolverão a doença. Além de causa, o fumo é um dos fatores que levam a doença a ser detectada tardiamente. "O fumante foge do médico porque sabe que ele o mandará parar de fumar", diz o pneumologista Paulo Feitosa, da Secretaria Estadual de Saúde do Distrito Federal -próxima região a ser visitada pelo ônibus-consultório. Outro empecilho é que a falta de ar e o cansaço são considerados conseqüências normais do processo de envelhecimento. Apenas o diagnóstico precoce, porém, pode conter o avanço da doença.

Diagnóstico precoce
"Levo uma vida quase normal. Subo ladeiras e até freqüento bailes", conta o vendedor de computadores Maximo Alveia Gallego, 71, que parou de fumar há 20 anos e soube que tem a doença há menos de dois. Ele acredita que não estaria tão bem hoje se não tivesse procurado o médico assim que começou a se sentir cansado ao subir escadas. "Mas nunca havia ouvido falar de DPOC, achava que era uma bronquite qualquer."
O primeiro passo para detectar a doença é a análise dos sintomas e fatores de risco. A equipe do programa Respire e Viva distribui questionários que avaliam o histórico do indivíduo. Se a resposta for positiva a três ou mais questões, a pessoa é submetida ao exame espirométrico, no qual um aparelho mede o volume de ar que entra e sai dos pulmões, explica Oliver Nascimento, pneumologista da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
O tratamento varia de acordo com o estágio da doença, que, em grau avançado, compromete até o funcionamento do coração. Se o paciente ainda fuma, deve abandonar o cigarro imediatamente. Em seguida, passa a usar broncodilatadores e antiinflamatórios em bombinha ou spray, afirma Nascimento. No ano passado, chegou ao Brasil o brometo de tiotrópio, primeiro medicamento específico para DPOC, cuja ação dura 24 horas.
Recomenda-se também ao paciente que siga um programa de reabilitação pulmonar, composto por sessões semanais de fisioterapia e atividades físicas que exercitam os músculos respiratórios.
Em casos mais graves, é preciso receber oxigênio por equipamentos (oxigenoterapia). Se essas medidas não contêm o progresso da doença, mas o pulmão está apenas parcialmente comprometido, o paciente pode se submeter a uma cirurgia que reduz o volume pulmonar, na qual o médico retira o tecido mais danificado, explica Paulo Feitosa. Caso isso também não surta efeito, resta a opção do transplante de pulmão.
A aposentada Aracy Hackradt, 75, recebeu o diagnóstico de DPOC há nove anos e passou pela cirurgia de redução de volume pulmonar. "Assim que fui operada, eu me sentia ótima, até corria no clube. Mas, no ano passado, um dos meus pulmões parou de trabalhar. Hoje preciso inalar oxigênio 24 horas por dia e nem me queixo. Estou colhendo o que plantei. Fumei por 30 anos."
A estreita relação entre o cigarro e a DPOC fez com que a doença só ganhasse proporções alarmantes após a Segunda Guerra Mundial, época em que o consumo maciço de cigarros já era um hábito popularizado havia algumas décadas. Os especialistas acreditavam que a doença não tinha tratamento. "Com o avanço da tecnologia de diagnóstico, a comunidade médica passou a ver a DPOC com mais clareza e percebeu que, se uma das causas era a inflamação dos brônquios, a doença poderia ser tratada com antiinflamatórios. Com isso, foi provado que, mesmo não tendo como reverter o processo, o paciente pode ter expectativas de melhora no seu cotidiano", afirma Sérgio Menna Barreto.
Foi no início da década de 90 que a Organização Mundial da Saúde (OMS) se deu conta dos prejuízos que a doença acarreta não só aos pacientes como também aos sistemas públicos de saúde -a cada ano, 230 mil brasileiros são hospitalizados por causa da DPOC. A constatação do impacto da doença levou à criação do Projeto Gold (Iniciativa Global para a Doença Obstrutiva Pulmonar Crônica, na sigla em inglês), que atua em 72 países com o objetivo de divulgar a DPOC entre a população e os médicos.
Com o mesmo objetivo, foi criada, em 2000, a Associação Brasileira de Portadores de DPOC. "Há quatro anos, ninguém falava sobre essa doença", diz o aposentado Manoel de Souza Machado Junior, 73, que preside a entidade. Apesar de ter parado de fumar há mais de 20 anos, ele descobriu, há seis, que tinha DPOC. "Não conseguia respirar durante uma discussão familiar e parei no hospital", conta Machado.


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