UOL


São Paulo, quinta-feira, 03 de julho de 2003
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Deixar-se levar sem método pelo que vem da TV, do jornal, do trabalho ou da internet causa de frustração a morte de neurônios

Informação demais e mal-administrada faz mal

Marcelo Barabani/Folha Imagem
Jamilton Camilo, que reclama não apenas da quantidade de informações, mas da qualidade


ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL

O cérebro humano possui mais de 100 bilhões de neurônios. Cada um deles envia sinais para outros 20 mil e recebe sinais de outros 20 mil neurônios. Essa intrincada rede, que capacita o cérebro a receber, assimilar e registrar informações, tem sofrido abalos. O motivo: o homem moderno está cada vez mais exposto a um volume imensurável de informações, que chega a todo instante, de forma veloz e pelos mais diversos meios, o que costuma provocar muita ansiedade. As pessoas tentam buscar e absorver o máximo de informação no menor tempo possível, mas, em geral, não conseguem organizar de forma adequada a aquisição desse excesso de informação. O resultado é sentimento de frustração, desgaste mental, fadiga dos neurônios e, em casos mais sérios, um quadro de estresse com consequências para o organismo. Segundo especialistas, o maior desafio do homem moderno é conseguir lidar com a avalanche de bits, números, frases, gráficos, sons, tabelas, imagens e afins presentes na vida a todo momento. "Se a pessoa não se organizar na hora de buscar e apreender as informações, priorizando as que são relevantes e descartando as que não são, esse processo vai ser caótico", diz o professor de neurofisiologia da Universidade de São Paulo Gilberto Xavier. É muito fácil hoje se tornar vítima da chamada ansiedade de informação, termo criado pelo norte-americano Richard Saul Wurman, autor de "Ansiedade de Informação" e cujo segundo livro sobre o assunto está previsto para chegar ao Brasil no mês que vem, pela Cultura Editores Associados. "As pessoas ficam angustiadas porque querem saber tudo ao mesmo tempo, o que é fisiologicamente impossível", diz Ana Maria Maaz Alvarez, fonoaudióloga especializada em memória e déficit de atenção.

Atenção tem limite
A atenção do ser humano é limitada e focalizada, ou seja, é impossível ter concentração em dois pontos ao mesmo tempo. O mais angustiante disso é que, se a capacidade de retenção não é multifatorial, a de percepção é.
Ou seja, as pessoas identificam os diferentes e simultâneos estímulos externos (os chamados "elementos distratores", que distraem), como conversas paralelas ou o som da televisão, mas não conseguem assimilá-los e, ao mesmo tempo, manterem a atenção no que estavam fazendo.
A pessoa pode até ter a ilusão de que está registrando as informações vindas de duas fontes, "mas ela logo vai esquecer uma delas, se não esquecer as duas", diz a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
E mais: atenção ineficiente pode significar, no futuro, dificuldade de memorização. Quando a pessoa busca na memória uma determinada informação, o seu cérebro tenta "imitar" o circuito estruturado durante o recebimento e o registro dessa informação. Se houve confusão durante a formação desse circuito, na hora de resgatar a informação uma confusão semelhante vai ocorrer.


"Eu fico bastante ansioso para tentar ir atrás de tudo, ficar atualizado. Mas não é fácil lidar com o volume e a velocidade das informações. E muitas vezes as notícias vêm incompletas ou erradas. Então, além de tudo, você tem de desconfiar da informação"
Jamilton Camilo 45, gerente de telecomunicações

"Fico o dia inteiro ligada no que acontece. Sou completamente viciada nos sites que trazem as últimas notícias. Olho mais de 30 vezes por dia! E aproveito para monitorar os amigos e a família; se descubro que houve um acidente num local por onde sei que alguém vai passar, ligo avisando. Isso domina a gente, essa necessidade de saber tudo todo o tempo"
Eliza Levy 45, pedagoga

"Não dá para querer saber tudo ao mesmo tempo. A gente até tenta, mas várias vezes vem o esquecimento. Quantas vezes, no final do dia, eu me pergunto: "O que eu fiz hoje mesmo'?"
Josiane Candido Penha, 25, analista de crédito

"Olha, eu procuro ficar distante dessa batelada de informação. Acompanho o noticiário pela TV e pelos jornais e, para mim, basta. Internet, nem pensar, acho desgastante"
Manoel Costa Pinto, 56, comerciante


"Nossa percepção do mundo é simultânea, mas nossa ação no mundo é sequencial; se eu não estabelecer prioridades, com certeza vou me sobrecarregar além da conta", diz Alvarez.
Deixar-se levar pela avalanche de informações é uma das fontes de danos ao cérebro. Mas não a única. Não concluir as tarefas começadas pode ser até pior. Segundo Xavier, "isso é o caos!".
Quando uma pessoa interrompe uma tarefa, automaticamente inibe os circuitos cerebrais que estavam sendo formados para que a informação fosse decodificada, explica Xavier. Ao iniciar outra atividade, o cérebro vai ter de formar um novo circuito. "Esse vai-e-vem, que é muito desgastante, pode causar lapsos de memória", diz Renato Sabattini, neurocientista da Unicamp.
Porém, às vezes, uma atividade não é interrompida voluntariamente, mas por causa do telefone que toca, de alguém que aparece falando, do rádio que "chama" a notícia. "Daí, alia-se à interrupção dos circuitos cerebrais o fator irritação, o que potencializa o desgaste", diz o neurologista Paulo Bertolucci, da Unifesp.
Aliás, já se sabe que os neurônios são suscetíveis à fadiga. "Não se sabe como eles ficam cansados e o que especificamente causa essa fadiga neuronial, mas um indício disso é a sonolência", explica a neurocientista Herculano-Housel.
Outra consequência possível: a expansão excessiva e permanente da árvore dendrítica (região dos neurônios que estabelece quantas conexões a pessoa consegue realizar). Essa estrutura é flexível, mas diante da quantidade e da velocidade de informações de hoje em dia, se a pessoa não se organizar bem, pode sobrecarregar essa estrutura.
Daí, segundo Xavier, pode acontecer uma liberação de cortecosterona -hormônio que mata alguns neurônios- associada a um quadro de estresse. "Por isso quem trabalha na Bolsa de Valores e operadores de vôo têm de se aposentar mais cedo."
Essas reações podem gerar de uma simples irritação a um quadro que envolve prejuízos ao organismo, como falta de sono, distúrbios de alimentação e dores musculares, entre outros, segundo o neurologista da Unifesp Luiz Celso Vilanova.
Para evitar chegar a esse ponto, é preciso, como diz a psicóloga e educadora Ruth Roman, "estabelecer uma rotina de modo a arquitetar bem as informações recebidas e usar o bom senso".


Texto Anterior: Capa 03.07
Próximo Texto: Sinais de que o corpo está sendo prejudicado
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.