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Para seguir um estilo de vida com menos violência
Tuca Vieira/Folha Imagem
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Movimento de pedestres na avenida Paulista, em São Paulo |
Cultura do medo, gerada pela violência generalizada, determina a vida
do cidadão
IARA BIDERMAN
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Um fenômeno tão antigo quanto o mundo, em pouco mais de
uma década, mudou de cara. A violência é hoje diferente do
que sempre foi, constatam estudiosos do assunto. As teorias que
a explicavam não dão mais conta do recado. Pela tese econômica,
por exemplo, a razão da violência sempre foi a busca por ganho
material (comida, dinheiro, carro, jóia etc.). Pela via política, ela é
entendida como instrumento de oposição ao sistema vigente, diz o cientista político Paulo Mesquita, do Instituto São
Paulo Contra a Violência. E hoje?
Hoje ela é banal, democrática, funciona
como meio de expressão, especialmente
de jovens, ocupa muito bem o espaço da
falta de valores sólidos e gera nos cidadãos uma tremenda obsessão pelo medo,
entre outros atributos. Refletir sobre eles
ajuda a perceber como a violência determina a forma de viver e também ajuda a
encontrar maneiras de escapar disso.
"A violência hoje é adotada como estilo
de vida", diz Mesquita. Surge sem motivo
aparente, de forma gratuita. Para o psiquiatra e psicanalista David Levisky, vice-presidente do Instituto São Paulo
Contra a Violência, a fragilidade e a transitoriedade de valores que criam a identidade do indivíduo são os responsáveis
por esse novo caráter da violência.
"A pessoa não encontra valores que a
dignifiquem", seja na família, na escola
ou nas instituições públicas. Dessa maneira, grupos se formam não em torno de
uma ideologia, de uma ética comum
-caso de gangues como a dos carecas e
dos surfistas de trem. O que os une é a
manifestação da violência em qualquer
grau. "É a forma que encontram para expressar suas tensões, angústias, para dizer eu existo", diz o psiquiatra.
Já a banalização da violência, em que
imagens e informações de dar medo se
repetem sucessivamente no dia-a-dia
-seja na rua ou dentro de casa- e na
mídia, legitima a violência física como
forma de solução de conflitos, como um
valor de afirmação, diz Levisky. É o caso
do pai que diz para o filho que apanhou
do amigo na escola para que volte e dê o
troco ao colega.
Os efeitos de comportamentos violentos são, não apenas morais, mas fisiológicos. Em um estudo cujo objetivo era medir alterações hormonais em jovens expostos a cenas de violência, realizado na
faculdade Cásper Líbero (SP), em 2000,
foram constatadas variações significativas que condiziam com os testes de
agressividade também realizados. Isso
quer dizer que a exposição torna o jovem
mais violento?
Segundo o autor do estudo, o especialista em psicofisiologia Kenji Toma, "há
um risco real de prolongar a tendência
agressiva e criar uma patologia social ou,
então, criar uma insensibilidade à violência, que é absorvida passivamente e, no
lugar de despertar a indignação, gera a
apatia", diz
O estado de indiferença e insensibilidade está associado a um modelo político-econômico em que tudo é descartável,
dos bens de consumo aos meios de sustento, como o emprego, diz a historiadora e secretária-geral do Instituto Carioca
de Criminologia Vera Malaguti. "Não há
projeto nacional, políticas públicas, e as
pessoas não podem nem ter projetos de
vida. Vira um vale-tudo."
Tal modelo dissolve as seguranças concretas das pessoas e gera uma insegurança difusa, que não tem onde se apoiar: há
medo da fome, da guerra, de perder o
emprego, do desastre ecológico.
"Desgovernança planetária"
Para
o economista Ladislau Dowbor, vive-se
um momento de "desgovernança planetária", em que as instituições e a legislação ficaram defasadas frente à velocidade
com que os agentes da violência (de uma
organização terrorista a uma multinacional que frauda sua situação financeira)
dominaram a tecnologia da informação.
"Com a Internet, pode-se agenciar de
prostituição infantil aos recursos financeiros de uma organização como a Al
Quaeda. Ou criar empresas virtuais que
permitiram à multinacional Enron esconder sua situação financeira do governo, dos cidadãos e de seus próprios parceiros", diz Dowbor. A nova violência é,
também, globalizada.
"Toda esta insegurança global é canalizada para o medo do crime ou da violência urbana, que vira uma obsessão", diz
Malaguti. O medo generalizado, obsessivo e a nova violência difusa, que pode ser
encontrada em qualquer lugar, se auto-alimentam.
Reféns da violência
Denis Mizne,
diretor-executivo em São Paulo do Instituto Sou da Paz, faz referência a uma democratização do medo, que leva todos a
se sentirem reféns da violência. "Isso mexe muito com a vida das pessoas e leva a
reações irracionais, como armar-se ou se
autoproteger sem se preocupar com a
preservação da vida do outro", diz Mizne.
Ele dá um exemplo bastante ilustrativo:
após o atentado terrorista ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001,
houve um aumento de 40% na venda de
armas nos Estados Unidos. O que as pessoas poderiam fazer com um rifle na hora
em que dois aviões e um arranha-céu
caíam sobre suas cabeças é uma pergunta
que desafia as explicações da razão. Agora, o que alguns adolescentes norte-americanos realmente fizeram com um rifle
na mão, matando seus colegas de escola,
todos sabem.
As campanhas de desarmamento têm
ocorrido, mas Mizne acha que é preciso
mais: "Temos que desarmar o espírito".
E como se opera isso? Por meio de uma
nova forma de educar -na família, na
escola e na sociedade.
O educador Ubiratan D'Ambrósio, da
Universidade de Campinas (Unicamp),
explica: "Educação inclui mostrar que o
diferente não é o nosso inimigo, não representa o perigo. O medo [da violência]
gerou uma paranóia coletiva em que as
relações humanas passam a ser de desconfiança, de animosidade. Estamos gastando muita energia, econômica e emocional, para nos defendermos de um inimigo que talvez nem exista". Leia ao lado
e na próxima página o que pode ajudar a
encarar o dia-a-dia com menos obsessão
pelo medo e pela violência.
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