|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
s.o.s. família
Conquista que vai do berço à adolescência
Rosely Sayão
Ultimamente, quase todos consideram a
autonomia um objetivo importante a ser
alcançado pela educação, seja ela praticada em
casa ou na escola. A questão é que esse conceito tem gerado grandes confusões, já que pais e
professores nem sempre concordam sobre auautonomia possível à criança ou ao jovem que
vive determinada etapa do desenvolvimento.
Por isso discordam quanto ao que se pode exigir dos filhos e alunos ou permitir-lhes. Uma
amostra desse conflito está em algumas das
questões levantadas por leitores na correspondência com a coluna. Vale a pena, portanto,
conversar um pouco sobre o tema.
Primeiro, é bom lembrar: a autonomia é algo que se conquista, principalmente pelo
aprendizado e/ou pelas oportunidades oferecidas no relacionamento com os outros para
que ela possa ser exercida, experimentada.
Ninguém nasce autônomo. O ser humano, ao
contrário, nasce com completa ausência de
autonomia. Para sobreviver e viver, a criança
depende, por um longo período, dos cuidados
dos adultos.
Mas, à medida que se desenvolve, ela tem
acesso progressivo à autonomia. Esse processo de aquisição de autonomia termina ao final
da adolescência, com a maturidade. Se, entretanto, o potencial para a aquisição da autonomia característica de determinada idade não é
respeitado, todo o processo fica comprometido, já que não são as habilidades e as competências realizadas que evidenciam a autonomia da criança, e sim a atitude diante dos problemas da vida e os recursos que tem para usar
na busca de soluções.
Uma leitora reagiu à coluna em que comentei o modo de tratar filhos como café-com-leite e comentou: "Tenho um filho de 18 meses, e
você quer dizer que tenho que, desde já, dar a
ele oportunidade de crescer e alcançar a autonomia e a liberdade?!?!".
Sim, sim, desde o nascimento esse processo
entra em curso. Um filho de 18 meses pode ganhar autonomia para dormir sozinho, para
começar a aprender a usar o banheiro e a deixar as fraldas, para reconhecer situações do
ambiente que ainda são perigosas para enfrentar sozinho e para pedir ajuda, por exemplo. Se, apesar de ter potencial para realizar tudo isso, os adultos que o rodeiam não permitem que o faça, não exigem dele esforço nessa
conquista e fazem tudo por ele, o desenvolvimento rumo à autonomia já começa a ficar
comprometido. E -insisto- não se trata de
treinar habilidades, mas de ensinar uma atitude de independência.
Claro que, aos 18 meses, o filho não pode,
por exemplo, escolher se quer ou não ir ao médico, tomar ou não um medicamento de gosto
desagradável, decidir com quem vai ficar enquanto a mãe trabalha. Do mesmo modo, nessa idade a criança não tem meios para controlar seus impulsos. E é aí que se expressa a confusão de pais e professores. Eles imaginam que
a criança dessa idade ou um pouco mais já tenha autonomia para compreender uma regra
e respeitá-la. Não tem.
Se uma criança não deve brincar com um
objeto, a proibição deve ser sustentada pela
ação dos adultos. Isso porque a criança não se
regula: ainda não atingiu autonomia para tanto. Está na fase heterônima, ou seja, precisa
que os adultos regulem seu comportamento.
Mas isso é bem diferente de impedir que a
criança aprenda a fazer o que já tem condições
de fazer. Outra leitora escreveu bem preocupada com um primo de oito anos que é tratado com proteção excessiva. Segundo ela, essa
criança dorme na cama com a mãe, não pode
"tomar sereno" nem ficar sem sapatos e não
sabe sequer limpar-se sozinha após usar o banheiro. Como conseqüência, é um menino
medroso. Pudera! Deve ter a imagem a respeito de si mesmo de que não é capaz de viver essas situações sozinho, de que não tem condições para tanto. Mas tem. Porém, dessa maneira, seu desenvolvimento fica prejudicado.
E volto a insistir: não se trata apenas de
aprender a limpar-se sozinho, mas de adquirir
liberdade e autonomia para viver o que já tem
condições de viver com independência. Essa é
a lição mais importante.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail:
roselys@uol.com.br
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Poucas e boas: Almofada reduz sintoma de refluxo Índice
|