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São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2003
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s.o.s. família rosely sayão

Medo protege a vida, mas não pode impedi- la

Foi-se o tempo em que o que as crianças mais temiam eram figuras míticas tais como a mula-sem-cabeça, o bicho-papão, o homem-do-saco etc. Hoje, as crianças têm medo da violência nas ruas. Violência que atinge a todos e causa preocupação especial nos pais.
Afinal, quem tem filhos quase saindo da infância sabe que, mais cedo ou mais tarde, eles vão querer ganhar o mundo sozinhos. E com razão: é justamente para isso que eles são preparados, foi para isso que ganharam vida.
Ocorre que basta ler um jornal, assistir a um noticiário ou conversar com colegas no trabalho, por exemplo, para constatar que a violência está lá, muito perto: no mesmo bairro, próxima da escola do filho, no outro lado da rua. E, quase naturalmente, os pais comentam em casa, se preocupam, tomam medidas de segurança. Os filhos estão sempre a observar o que os pais fazem, e muitas crianças hoje, que deveriam começar a dar os primeiros passos sozinhas -ir à padaria para a mãe, caminhar até o supermercado mais próximo ou ir para a escola sozinhas-, recusam-se porque têm medo. E isso não tem ocorrido apenas com quem mora em São Paulo ou em outros grandes centros. As crianças que vivem em pequenas cidades também já enfrentam essa dificuldade.
Os pais, que também têm medo, reagem quase naturalmente à manifestação do filho -em geral cedem, não incentivam o filho a enfrentar o medo e a sair sozinho. Dessa maneira, eles se sentem mais seguros em sua função protetora e ficam mais tranquilos porque controlam a segurança do filho.
Mas, por mais absurdo que pareça, isso não ajuda muito a criança. Ao contrário: sustentar o medo -por sinal legítimo- que ela expressa e não estimular a coragem que ela pode ter acaba passando para a criança a idéia de que ela não é mesmo capaz de enfrentar tal ameaça. Quanto mais a criança é protegida, mais indefesa ela fica.
Não é fácil soltar o filho neste mundo. Mas é preciso ensinar a criança a ter a coragem suficiente que lhe permita viver. E iniciar esse ensinamento quando ela ainda é pequena é mais eficaz para o futuro. Sabemos que o adolescente passa por um período em que acredita ser capaz de quase tudo e é mais temeroso deixar para ensinar isso nessa fase. É bem possível que ele não reconheça o perigo e não respeite os limites da vida.
Como ajudar a criança? Primeiro, é preciso entender que o medo dela é bem concreto e diz respeito a uma realidade que vivemos. Por isso não adianta tentar simplesmente dissolver esse medo. O melhor é acatar e, até mesmo, dizer a ela que não precisa esconder que tem medo. O medo protege a vida, mas não pode impedi-la. O segundo passo é, portanto, ajudar a criança a construir estratégias para superar os medos que tem.
Ela tem medo de ir até a padaria da esquina sozinha? Acompanhá-la pedindo que imagine o que faria caso percebesse alguma ameaça no caminho e dar dicas de como pode pedir ajuda rapidamente a um adulto, por exemplo, pode ser uma boa opção.
Ou qualquer outra que os pais considerem que possa funcionar para o filho. É dessa maneira, ensinando-a passo a passo e sem pressa, que a criança pode descobrir -no sentido exato do termo- que a coragem necessária para enfrentar sua paralisia ante o medo está dentro dela mesma. Com isso, ela aprende também a evitar riscos e a adotar estratégias que tornem as atividades que precisa fazer mais seguras.
A violência das ruas não deve servir de boa desculpa para que os pais mantenham os filhos dependentes. Seria bem melhor que a rua fosse um lugar acolhedor para as crianças, para os jovens, para os adultos. Não tem sido. Mas é neste mundo que as crianças vivem e irão viver, mais tarde, sozinhas.
Portanto nada melhor do que aprender a ter a coragem suficiente para enfrentá-lo e a manter o reconhecimento do medo o suficiente para não desrespeitar os limites previsíveis de segurança.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br


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