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SAÚDE
Adeus ao(s) vício(s)?
No polêmico livro "The End of My Addiction", cardiologista francês diz haver eliminado sua dependência do álcool com o uso de um relaxante muscular
DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A cura definitiva para o
alcoolismo e outros
vícios. É dessa meta
que trata "The End of
My Addiction" (O fim do meu
vício, www.amazon.com; US$
15,23), livro do médico francês
Olivier Ameisen lançado em janeiro na Inglaterra e com previsão de chegar às livrarias brasileiras ainda neste ano.
Em sua obra, o cardiologista
e professor de 55 anos descreve
de que modo um relaxante
muscular utilizado em tratamentos neurológicos desde os
anos 60, o Baclofen, pode eliminar completamente a dependência não somente em relação ao álcool mas à nicotina, à
heroína, à cocaína, à anfetamina. Segundo Ameisen, o medicamento atua beneficamente
em neurotransmissores vinculados a comportamentos compulsivos e disfunções como ansiedade e depressão.
Seus estudos partiram de
uma reportagem publicada no
"New York Times", em que um
homem paraplégico e dependente de cocaína dizia sentir
mudanças nos efeitos da droga
depois de haver começado a tomar o relaxante.
Aos céticos, Ameisen apresenta uma lista de médicos, pacientes e evidências. A maior
delas, haver sido cobaia do próprio experimento: mergulhado
no alcoolismo, com a carreira e
as relações pessoais a um passo
da ruína, o cardiologista tomou
diferentes doses de Baclofen
(até um máximo de 270 mg)
para verificar as reações que teria. Ao final de cinco semanas,
relata haver constatado que
podia ver uma taça de vinho -e
mesmo tomar alguns goles da
bebida- sem necessitar mais
esvaziar garrafas e garrafas.
A segunda aposta do francês
foi, ao dar a conhecer sua descoberta, em 2004, tornar público também o vício que o havia afastado, em 1997 e por decisão própria, dos hospitais em
que clinicava na França e nos
Estados Unidos.
De sua casa em Paris, o médico, atualmente professor na
State University of New York,
conversou com a Folha.
FOLHA - Por que o uso de Baclofen
no combate à dependência química
enfrenta resistência da comunidade
médica. O que se teme?
OLIVIER AMEISEN - Não é temor, é
choque. Ninguém nunca pensou que fosse possível curar a
dependência completamente e
em apenas poucas semanas. O
Baclofen é um medicamento
antigo, usado por neurologistas
às vezes em doses bastante altas para oferecer condições benignas como o alívio de espasmos musculares. Especialistas
em dependência começaram a
usar essa substância para tratar
o alcoolismo em 2000, mas,
uma vez que não se comunicaram devidamente com os neurologistas, não estão familiarizados com seu uso e o utilizaram em doses muito baixas, como 30 mg por dia. Verificaram
que o Baclofen reduz o desejo
de tomar álcool. Mas, uma vez
que a vontade permanece, os
pacientes têm que lutar diariamente, às vezes a cada hora, a
cada minuto, para resistir ao
desejo de beber. Eu parti da hipótese de que, se você aumenta
a dose em alcoólicos humanos,
extermina completamente o
desejo de beber álcool como
acontece com animais, então
você elimina a doença. Como
eu estava muito doente, decidi
testar minha hipótese em mim
mesmo. O resultado é que não
sou abstêmio (o que requer esforços), sou indiferente ao álcool. A indiferença ao álcool
nunca foi vista antes, é uma
"première" mundial. Mas não
sabia se isso funcionaria com
outras pessoas, por isso pedi estudos clínicos. Um dos problemas é que, como o Baclofen é
um medicamento antigo, ele
perdeu sua patente e se tornou
um genérico. Então, diferentemente de outros remédios que
são testados para o tratamento
de dependências, não há nenhuma farmacêutica que financiaria esses estudos.
FOLHA - De que forma se define a
dose para cada caso?
AMEISEN - Em linhas gerais, o
médico prescreve e vai subindo
a dose. O critério, por exemplo,
é: você é indiferente ao álcool?
O que acontece quando você vê
uma taça de vinho? Eu posso
vê-la, tocá-la, tomar alguns goles, colocá-la onde estava e
abandoná-la. A dose eficaz será
dita pelo paciente.
FOLHA - Como o tratamento mudou sua vida?
AMEISEN - Esse tipo de doença,
apesar de ser reconhecida como tal, não é vista assim pelas
pessoas. Se você tem leucemia
ou câncer, ninguém vai dizer:
"A culpa é sua". Com o alcoolismo, elas dizem: "Você merece, a
culpa é sua, você só tem que parar de beber ou se controlar, como eu faço". O que elas não entendem é que você não pode
parar, simplesmente não pode.
Claro que minha família e meus
amigos não compreendiam isso. Eles racionalmente entendiam que eu não conseguia parar de beber, mas dentro deles
não podiam acreditar nisso.
Médicos bebem muito, é uma
maneira de medicar nosso estresse. Foi uma decisão muito
difícil [a de publicar a pesquisa], era o meu nome em jogo.
Tenho muitos amigos e colegas alcoólicos, e que eu não sabia que o eram, que me procuraram agora em busca de tratamento. Médicos são seres humanos, eles pegam gripe como
qualquer outra pessoa. Conheci pessoas que me disseram:
"Não consigo entender, você
tem tudo para ser feliz, você é
médico". E daí? Marilyn
Monroe tinha tudo, era uma
mulher bonita e rica. O alcoolismo pode acontecer com
qualquer pessoa, não discrimina ninguém.
[...]
SE VOCÊ TEM CÂNCER, NINGUÉM VAI DIZER: "A CULPA É SUA". COM O ALCOOLISMO, ELAS DIZEM: "VOCÊ SÓ TEM QUE PARAR DE BEBER OU SE CONTROLAR, COMO EU FAÇO"
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