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São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2003
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foco nele

Lama brasileiro vive em nome da paz

DA REDAÇÃO

O "pequeno lama" brasileiro atingiu a maioridade. Michel Lens César Calmanovics, mais conhecido como lama Michel Rimpoche, já completou 21 anos. Desde os 12, ele mora em um monastério na Índia, onde se dedica ao estudo do budismo, que pretende concluir em nove anos. Para chegar a frequentar essas aulas, o lama Michel passou por uma fase de preparação. Demorou cerca de dois anos para aprender tibetano e outros dois tendo aulas particulares de filosofia.
Há duas semanas, ele veio a São Paulo para visitar a família e participar de eventos. Entre um compromisso e outro, ele deu uma entrevista exclusiva para o Equilíbrio, na qual sugere a quem quiser se aproximar da espiritualidade que faça uma lista de tarefas interiores todas as manhãs. Leia mais abaixo.
 

Folha - Qual a missão de um lama?
Lama Michel -
A responsabilidade de um lama é aprender o darma, ou seja, a filosofia budista, levar adiante os ensinamentos de Buda e compartilhar isso com as pessoas. Não se quer nem nunca se quis que todos se tornem budistas. A filosofia budista é muito abrangente, é mais uma filosofia de vida que uma religião. Meu mestre, lama Ganghen, diz que, se Buda tivesse vivido agora, não há 2.500 anos, o budismo não seria considerado uma religião. Naquela época, a cultura na Índia era baseada em religiões, então automaticamente a filosofia de vida dele se tornou uma religião. Mas ele é um cientista interno, de autoconhecimento. Uma das missões de um lama é tentar fazer com que uma cultura de paz possa crescer cada vez mais. Acreditamos que, sem uma mudança no indivíduo, não pode haver uma mudança no coletivo. Isso é fundamental.

Folha - Você é o discípulo e o sucessor do lama Ganghen. Mas, por enquanto, dedica-se apenas aos estudos?
Lama Michel -
Estou estudando. Fico no monastério de oito a dez meses por ano e, no resto do tempo, viajo principalmente para a Europa e para o Brasil, onde vou aos diferentes centros para falar, ajudar.

Folha - A missão de um lama atualmente é mais árdua?
Lama Michel -
É cada vez mais difícil porque, de uma certa forma, a cultura está se deteriorando. Há coisas positivas que estão nascendo, que estão crescendo, mas há coisas também negativas.

Folha - Que aspectos positivos você vê?
Lama Michel -
Cada vez mais há, no Ocidente, pessoas com interesse por tradições orientais, pela prática espiritual. Mas ainda falta, seja na economia, seja na política, seja no dia-a-dia das pessoas, um pouco de espiritualidade. O que é espiritualidade? É darmos importância ao que existe dentro de nós, não só para a parte material. Ter um pouco mais de ética interior. Falta espiritualidade na tomada de decisões. Tenho um amigo que trabalha nas Nações Unidas que, várias vezes, tentou colocar a importância de uma ética espiritual no âmbito da economia. Mas ele disse que vários embaixadores falam: "Você é um ótimo economista, mas há duas palavras que tem de tirar do vocabulário quando está nas Nações Unidas: espiritualidade e meditação".

Folha - E por que falta espiritualidade?
Lama Michel -
A mente está cada vez mais dispersa. Há muita coisa para pensar e fazer. Fazemos com que o estresse seja um estilo de vida. Quando uma pessoa fica calma, parada, ela olha para dentro de si. Tentar ser uma pessoa mais pacífica, mais correta interiormente, faria uma grande diferença. A cada dia, tentar ter menos raiva, menos apego, menos ciúmes, menos orgulho, menos avareza e mais amor, mais compaixão, mais generosidade, mais equanimidade.

Folha - Quais são as ferramentas?
Lama Michel -
Método e clareza. Reconhecer a importância disso, porque, se a gente não acredita numa meta, nunca vai conseguir completá-la. O segundo passo é, por exemplo, todos os dias de manhã, não pensar só no que será feito durante o dia -trabalhar, ir para a escola, fazer isso ou aquilo-, mas pensar no que fazer com o mundo interior: "Hoje eu vou tentar ser uma pessoa mais pacífica". No momento em que conseguimos ter essa motivação de manhã, podemos chamar o espiritual para a nossa vida. Automaticamente teremos algo a mais do que apenas o nosso dia-a-dia.

Folha - Essa tarefa é mais fácil para os monges?
Lama Michel -
É difícil também. Se uma pessoa for morar em um monastério, não necessariamente ela conseguirá ter menos raiva, apego, desenvolver amor, mas vai ter uma condição melhor para fazer isso. O monge não tem família, não precisa pensar em trabalhar para pagar a escola dos filhos, não tem de se preocupar com a mulher. A única preocupação é com a própria prática espiritual.

Folha - Como é a sua rotina?
Lama Michel -
Acordo às 5h30 e vou para as cerimônias de preces e meditação, que duram até as 7h, junto com o café da manhã. Das 7h até as 8h30, decoro palavra por palavra dos livros. Em seguida, preparo-me para a sessão de debate, que acontece das 9h às 11h, três vezes por semana. Nos outros dias, tenho aula. No intervalo do almoço, que vai até as 14h, geralmente durmo. Das 14h às 17h, tenho aulas e depois janto. Das 18h às 21h, todos os dias, é a outra sessão de debates. Às 21h30, faço a recitação dos textos memorizados de manhã, até cerca de 23h. Leio e durmo por volta da meia-noite.


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