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São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2003
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Descoberta há menos de 20 anos, a síndrome provoca dores pelo corpo e fadiga, atrapalhando a rotina escolar e as brincadeiras

Fibromialgia importuna crianças e adolescentes

Marcelo Barabani/Folha Imagem
A síndrome afeta as irmãs Camila (dir.), 17, e Karina Fidalgo Ferreira, 13; a mãe delas também sofre de fibromialgia


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Conviver com dores aparentemente inexplicáveis todos os dias e sentir-se cansado e sem energia e dormir mal. Assim é o cotidiano de grande parte dos portadores de fibromialgia, síndrome que afeta cerca de 5% da população mundial e foi identificada apenas na década de 90. Mais recente ainda é a descoberta de que esse problema tão desgastante pode atingir também crianças e adolescentes.

Segundo o Colégio Americano de Reumatologia, 25% dos pacientes apresentam sintomas de fibromialgia desde a infância. Entre esses sintomas, estão as chamadas dores musculoesqueléticas difusas, que atingem músculos e articulações de três ou mais regiões do corpo. "Calcula-se que 26% das queixas de dores musculoesqueléticas difusas atendidas nos ambulatórios de reumatologia pediátrica enquadrem-se nos critérios para o diagnóstico de fibromialgia", afirma Eliane Battani Dourador, reumatologista do hospital São Luiz, em São Paulo. "A investigação mais minuciosa leva à confirmação da síndrome em mais da metade desses casos." De acordo com o reumatologista Daniel Feldman, um levantamento israelense aponta que 6,5% de crianças e adolescentes em idade escolar apresentam sintomas de fibromialgia. Os médicos acreditam que a síndrome juvenil seja mais frequente a partir dos dez anos de idade. Existem estudos, porém, que indicam que a fibromialgia juvenil pode se manifestar antes dessa faixa etária. Pesquisa publicada em 1995, na revista científica norte-americana "Arthritis Rheumatology", indica que ela afeta 1,3% das crianças em idade pré-escolar que apresentam queixas de dores musculoesqueléticas. A fibromialgia é mais frequente em mulheres, e esse padrão repete-se entre crianças e adolescentes. Segundo Clóvis Arthur Almeida Silva, chefe da reumatologia do Instituto da Criança, do Hospital das Clínicas de São Paulo, as garotas somam 75% dos casos de fibromialgia juvenil. Não existe um exame laboratorial que comprove essa síndrome de causas ainda desconhecidas, que se manifesta de forma semelhante em todas as faixas etárias. Os sintomas (leia na pág. 11) se assemelham aos de outras doenças, como tendinite, gota, lúpus, hipotireoidismo e esclerose múltipla, o que dificulta o diagnóstico. Mas o principal deles é a dor -localizada ou generalizada-, que persiste por mais de três meses.

De mãe para filho
Pesquisa realizada pela reumatologista Suely Roizenblatt, da Unifesp, indica que há uma predisposição familiar para a fibromialgia, envolvendo principalmente mães e filhos. A médica investigou 120 pacientes, com idade entre dez e 12 anos, que chegavam reclamando de dor ao ambulatório de reumatologia pediátrica do Hospital São Paulo (SP). De acordo com ela, 71% das mães das 39 crianças diagnosticadas com fibromialgia juvenil também tinham a síndrome.
Foi a partir do diagnóstico das filhas que Sílvia Fidalgo Ferreira, 41, descobriu que era portadora de fibromialgia. Sua filha Camila, 17, reclamava de dores desde os dois anos. "Alguns médicos alegavam que era por causa do crescimento ou até por falta de interesse na escola", afirma a mãe. "Por isso não dávamos muito crédito, mas, com o passar do tempo, percebemos que era algo sério." As dores por todo o corpo, a indisposição e o cansaço interferiam na rotina da garota, que ficava de cama e deixou de ir à escola várias vezes.
Em dezembro de 2001, Camila teve a confirmação de que sofria de fibromialgia. Três meses depois, os reumatologistas constataram a síndrome também na irmã, Karina, hoje com 13 anos. Em seguida, foi a vez de a mãe receber o mesmo diagnóstico. "No meu caso, as dores são antigas, concentradas nos braços, e eu achava que poderia ser uma tendinite", afirma ela.
Além da predisposição familiar, especula-se que a fibromialgia esteja relacionada a estresse, ansiedade e traumas emocionais. "Esses problemas podem alterar as funções endócrinas e cerebrais, aumentando a sensibilidade à dor", explica o reumatologista Daniel Feldman.
Foi o que ocorreu com B. M. S. N., 13. Há dois anos, ela foi repreendida durante uma aula. "Ela teve uma reação traumática, ficou com medo de ser repreendida novamente e do constrangimento na frente dos colegas", afirma a mãe, D. S. S. N., 44. "Desde então, ela passou a sentir dores, não dormia direito e vivia reclamando de cansaço."
Como grande parte dos portadores de fibromialgia, a menina passou por vários médicos antes de a síndrome ser diagnosticada. "Cinco meses depois do diagnóstico, com uso de relaxantes musculares, prática de atividades físicas e acompanhamento de uma psicóloga, ela já estava melhor", conta a mãe.
Em geral, o tratamento da fibromialgia juvenil é feito por meio de atividades aeróbicas de baixo impacto, como natação e caminhada. Esses exercícios aumentam a produção de endorfina, um neurotransmissor que funciona como anestésico natural e reduz a sensação de dor. Em outros casos, são recomendados acompanhamento psicológico e antidepressivos.
As mães afirmam que, além das dores, que interferem na qualidade de vida, a falta de esclarecimento das pessoas também é um problema enfrentado pelos portadores de fibromialgia. "Para justificar as faltas da Camila, quando ela não conseguia ir à escola, tive de levar um laudo médico detalhado", diz sua mãe. "A diretora não acreditava, dizia que ela era uma menina saudável."


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