São Paulo, quinta-feira, 06 de junho de 2002 |
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Todos têm, em algum grau, o seu fetiche
O culto a um objeto inanimado ou a uma parte do corpo pode ser saudável para o relacionamento sexual do casal ou virar doença
ANTONIO ARRUDA DA REPORTAGEM LOCAL
No Dia dos Namorados do ano passado, Karina Rodrigues Oliveira, 27, ganhou do marido um uniforme de copeira. Ela não trabalha servindo cafezinhos. Mas, na intimidade, a produtora de eventos dá uma de funcionária doméstica e, com muito prazer, atende o maridão. Ele diz que se "delicia" em ver a mulher de uniformes de trabalho -o grande fetiche de Humberto Ferreira, 27. "Adoro essas roupas, principalmente as de empregada. Todo dia é uma novidade, e isso aumenta muito
o meu desejo", diz ele. Casados há três anos, Karina -que tem fetiche por velas- e Ferreira usam essas artimanhas para apimentar a relação. Caso de perversão?
Transtorno sexual? O fetiche só é nocivo e patológico quando o sujeito fica impossibilitado de se satisfazer sexualmente sem o objeto cultuado.
Do contrário, "se serve para desencadear a relação sexual e aumentar o
prazer, o fetiche é um elemento maravilhoso", diz o psicólogo e terapeuta sexual Eduardo Yabusaki, do ambulatório de sexualidade do Centro de Estudos em Comportamento Humano Persona. "Não há nada anormal em direcionar seletivamente o
erotismo", afirma o psicólogo e psicoterapeuta sexual Oswaldo Rodrigues, autor de "Objetos do Desejo -Das Variações Sexuais, Perversões e Desvios" (ed. Iglu).
E mais: todo mundo, em algum grau, tem o seu. O fetiche faz parte da
sexualidade humana, garantem os especialistas.
Caracterizado pelo uso de objetos inanimados ou pela fixação em uma
parte específica do corpo de outra pessoa, o fetiche surge quase sempre
na pré-adolescência -quando a pessoa descobre sua sexualidade- e
tende a permanecer por toda a vida.
Até porque, nessa fase, diz o psiquiatra e psicoterapeuta Bernardo Lynch
de Gregório, o adolescente tem menos possibilidades de sexo com outra
pessoa, "então é comum se masturbar manuseando objetos, como lingeries, ou praticar o voyeurismo".
Talvez por isso os adolescentes falem com mais tranquilidade sobre fetiches, como conta a psicóloga e colunista da Folha Rosely Sayão.
O preconceito com o assunto, que ainda existe, é responsável por inibir o potencial fetichista de muita gente. Mas, de um modo geral, as pessoas estão liberando mais seus desejos, vivenciando com mais frequência seus fetiches.
"É um componente completamente presente nos relacionamentos atuais, porque o que antes era considerado transgressão, como a mulher usar uma lingerie muito excitante, hoje é aceito com naturalidade", diz Márcio Schiavo, presidente da Sbrash (Sociedade Bras. de Estudos em Sexualidade Humana).
Prova disso é não só o aumento na quantidade, mas a evolução conceitual das lojas de produtos eróticos. "O que antes era "pornoshop" virou "sexshop" e, agora, existem até as "lojas de conveniência de produtos eróticos'". Além disso, os casais atualmente têm mais "clareza e consciência sobre a importância de buscar cada vez mais o prazer e, para isso, sabem que tem de sair do lugar-comum", diz Schiavo.
Porém há outra condição que caracteriza o fetiche saudável: a concordância dos envolvidos. O fetichista não pode impor ao outro seus desejos. "Tudo é permitido se as pessoas concordam entre si", diz o psiquiatra Giancarlo Spizzirri, do ProSex (Projeto Sexualidade, do Instituto de Psiquiatria da USP). |
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