São Paulo, quinta-feira, 06 de julho de 2000
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

foco nela

Com a palavra, a mãe do playground

CLÁUDIA RODRIGUES
FREE-LANCER PARA A FOLHA

A criança aprende brincando. Clara Perelberg Steinberg, 75, acredita tanto nessa teoria que há 50 anos luta para transformá-la em prática. Uma das primeiras mulheres a se graduar em engenharia civil no país, Clara sempre priorizou a área de lazer nas suas plantas e é considerada a mãe do playground. Usar a expressão "mãe", nesse caso, é mais do que adequado. Segundo a engenheira, foi a experiência da maternidade que a fez descobrir a importância do lazer. Sua primeira iniciativa nessa área foi montar uma escolinha de arte no colégio onde seus dois filhos estudavam. Os playgrounds nos prédios vieram depois. Aposentadoria não faz parte dos planos da engenheira. Além de continuar trabalhando na construtora Servenco, que fundou com o marido, Jacob Steinberg, ela ainda arruma arruma tempo para participar de eventos. A entrevista abaixo foi feita pouco antes de Clara embarcar para Bilbao, na Espanha, onde é palestrante do 6º Congresso Mundial de Lazer, que termina amanhã. "Acho que não vou parar nunca."

Folha - O lazer pode ajudar no desenvolvimento humano? Clara Steinberg - Esse é o tema do congresso. Além de estar nos direitos humanos, está na própria Bíblia: "Deus criou o mundo em seis dias e no sétimo descansou". O lazer é necessário para equilibrar o grande acervo humano, que é a diferença. O jeito das pessoas é diferente, e a diferença de pensamento é maior ainda. Cada um precisa ter tempo para fazer o que gosta. É isso que significa o lazer, é o tempo livre, é o tempo que é seu. Você tem direito de usá-lo até para dormir. Essa é a idéia básica: oferecer oportunidades e lembrar as pessoas sobre como isso é importante.

Folha - Qual o tema de sua palestra no Congresso Mundial de Lazer? Clara - Vou expor o trabalho que realizamos com mais de mil crianças carentes em uma casa na Gávea e em outra na Lagoa. É uma experiência muito importante, que envolve crianças muito pobres, algumas da favela da Rocinha. Procuramos dar atividades que complementem o trabalho das instituições que as abrigam, e isso faz uma diferença enorme. Gera alegria, satisfação e até mais saúde. É importante dar chance para a criança mostrar no que ela é boa. Pela brincadeira, ela aprende.

Folha - De que forma o estímulo ao lazer se reflete no comportamento da criança? Clara - É muito importante dar atenção à criança e permitir que ela crie. A criança se magoa quando dizem que ela é burra ou não sabe. Falar essas coisas é grave, pode inibir a criança. Como seu principal interesse é fazer a criança aprender, a escola às vezes exige um pouco demais e não respeita as grandes diferenças. Esquece que uma pessoa tem jeito para cantar e outra, para dançar.

Folha - O que despertou a senhora para a importância do lazer e das áreas próprias para brincar? Clara - Tenho dois filhos, Ronaldo e Rogério, e ajudei a montar uma escolinha de artes no colégio que eles estudavam, que era comunitário. Fizemos um trabalho muito interessante com aquelas crianças. Dou um exemplo pequeno: uma menina me pediu para desenhar um passarinho. Felizmente, eu não sabia desenhar, então ela mesma desenhou. Era apenas um risquinho, mas eu ainda vejo os olhos dessa menina, eles brilhavam. Hoje é arquiteta.

Folha - E a idéia do playground, como surgiu? Clara - Depois disso, eu pensei: "Toda criança deveria ter acesso a esse tipo de atividade". Pensei nas áreas coletivas de alguns prédios, especialmente em Copacabana, mas a Prefeitura não aceitou a idéia de desapropriá-las. Então, começamos a projetar áreas de lazer dentro do possível. Mas só pudemos desenvolver mesmo nossa filosofia quando veio a lei que permitia usar um andar dos prédios para área livre.

Folha - Qual foi o primeiro prédio construído com play? Clara - Foi construído em 1970. Antes, ninguém falava nisso. Hoje, você dificilmente vê um anúncio de lançamento de prédio sem playground.

Folha - O que a senhora acha melhor: o quintal de uma casa, a rua ou o playground de um edifício? Clara - O playground é muito melhor. Além da brincadeira, é importante também com quem a criança brinca, o relacionamento com o outro. O playground do prédio integra as famílias.

Folha - Por que a senhora decidiu fazer engenharia? Clara - Eu era muito boa aluna e resolvi fazer dois cursos. Eu me formei em química e engenharia. Éramos só 5 mulheres cursando engenharia entre 200 homens.

Folha - Qual foi a reação dos seus pais? Clara - Meus pais eram russos imigrantes e trabalhavam como comerciantes. O imigrante aqui ou em qualquer outro país é um lutador. O imigrante sabe se defender, então o filho luta com o estímulo dos pais.

Folha - A senhora sofreu preconceito na escola ou nos canteiros de obra? Clara - Não, sempre fui respeitada na escola e nas obras. Mas era uma luta para conseguir emprego. Trabalhei primeiro como química no Laboratório Moura Brasil, depois como engenheira na divisão de obras do Ministério da Educação. Até que eu e Jacob tivemos a idéia de abrir a construtora.



Texto Anterior: Funcionários contam as vantagens
Próximo Texto: Narciso: Banho de videira, cheiro de jardim
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.