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S.O.S. Família
Rosely Sayão
Separação de pais e filhos
Alguns jovens têm me
interpelado com uma
angústia: como viver a
própria vida sem que
isso magoe seus pais? E não se
trata de adolescentes que descobrem que podem e devem começar a fazer suas próprias escolhas, responsabilizar-se por
elas e se comprometer com o
presente e o futuro, mas que
ainda estão sob a tutela dos
pais. Refiro-me aos que estão
prestes a entrar na vida adulta,
acima dos 20 anos. É interessante pensar sobre isso, já que é
inevitável que eles assumam o
comando da própria vida.
Nosso mundo tem uma característica peculiar no que diz
respeito aos relacionamentos
amorosos: eles se tornaram
particularmente frágeis, porque, quando resultam mais em
desgaste, sofrimento e compromisso do que em satisfação e
paixão -mesmo que num determinado intervalo de tempo-, podem ser descartados.
A idéia de investir energia,
dedicação e fidelidade sem um
retorno satisfatório não vinga
mais porque estamos mais para
a avaliação constante da relação custo-benefício dos relacionamentos. As pessoas estão
sempre disponíveis para recomeçar, esse é o fato.
Uma das conseqüências desse estilo de viver contemporâneo tem sido a solidão. Como
quase todos os relacionamentos são, em tese, descartáveis,
eles já nascem marcados para
morrer. O famoso "até que a
morte os separe" transformou-se decisivamente. Hoje as pessoas ficam juntas até que a vida
as separe, não é verdade?
Ocorre que permanece um
anseio de proximidade, de intimidade, de pertencimento afetivo e emocional que perdure às
agruras da vida e não dependa
apenas das alegrias compartilhadas. É nesse contexto que
surge a idéia de o filho ser um
objeto que atenda a tal necessidade, já que contém a idéia de
relacionamento duradouro.
A relação entre pais e filhos é,
atualmente, a única que permanece "até que a morte os separe". Todos os outros relacionamentos podem ser rompidos
a qualquer momento. Vivemos
na era dos "ex": ex-marido, ex-mulher, ex-sogro, ex-cunhado.
Mas tal prefixo não pode ser
adicionado às palavras mãe, pai
e filho. É a hegemonia das relações de parentesco de sangue
sobre as de aliança. Como as
outras relações de parentesco
por sangue (tios, primos, avós e
até mesmo irmãos) perderam
importância e não são cultivadas com tanta proximidade, o
relacionamento familiar ficou
restrito às relações entre pais e
filhos. O lugar de filho fica, portanto, sobrecarregado porque
destinado a suprir os anseios
afetivos e emocionais dos pais.
Ter filhos tem um alto custo.
Exercer o papel de mãe e de pai
é uma tarefa árdua e angustiante. É preciso abdicar das certezas, das seguranças e da idéia
do bem-estar pessoal para freqüentar com muita regularidade a instabilidade e a incerteza,
investir no bem-estar de um
ser dependente e mais frágil,
aceitar restrições na vida e, inclusive, limitar as ambições
pessoais. Tanto custo leva, quase naturalmente, a cobranças.
Essa é uma circunstância importante que tem provocado
dificuldades para os jovens, que
não sabem como conciliar a
própria vida com as aspirações
dos pais. Na verdade, o que eles
querem é terminar a relação de
dependência com a consciência
limpa, sem grandes rupturas e
sem provocar dor e sofrimento.
Temos de admitir que isso é extremamente difícil.
Qualquer separação é sofrida, e, como os adultos têm experimentado sucessivas separações afetivas, a dos filhos tem
sido evitada. Esse é um dos motivos que levam jovens a hesitar
a entrar no mundo adulto.
Nesse momento, a responsabilidade não é tanto dos pais; é
mais dos filhos. Afinal, eles precisam arcar com os ônus de
suas escolhas e rumos e já têm
condições para tanto.
[...] A relação entre pais e filhos é, atualmente, a única que permanece "até que a morte os separe"
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
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