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FAMÍLIA
Controladoras demais
Excesso de crítica e de controle por parte das mulheres pode fazer com
que os pais de primeira viagem se envolvam menos na criação dos filhos
PATRÍCIA CERQUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Reza a cartilha da vida
doméstica contemporânea que os homens são tão bons
cuidadores dos bebês quanto as
mães. De fato, tem sido cada
vez mais fácil encontrar pais
plenamente envolvidos nos
cuidados dos pequenos. Mas
também é comum constatar
mães reclamando do não envolvimento intenso dos homens com os filhos e dizendo
que o pai só quer a parte fácil,
de brincar com eles.
Intrigada com a irregularidade desse envolvimento masculino, a americana Sarah Schoppe-Sullivan foi pesquisar por
que alguns pais se envolvem
plenamente, enquanto outros
não. Professora de desenvolvimento humano da Ohio State
University, ela descobriu, em
entrevista com 97 pais de primeira viagem, que um dos motivos do afastamento paterno é
o comportamento feminino.
Quanto mais ranzinzas, críticas e controladoras da situação
são as mães, menos empolgados e envolvidos ficam os pais.
A professora diz que o comportamento não é incomum.
"Algumas mães agem como
uma porteira, alguém com o
poder de decidir o tipo de relação que o pai tem com o filho,
porque enxergam seus maridos
como pais incompetentes", disse Schoppe-Sullivan à Folha,
por e-mail. Outras mulheres,
segundo a pesquisadora, acreditam que, por serem as principais responsáveis pelos filhos,
serão julgadas negativamente
se compartilharem o cuidado
dos pequenos com o marido.
O estudo conclui que quanto
mais negativas são, mais as
mães afastam os maridos de se
envolverem nos cuidados com
o recém-nascido. E apontou
uma luz: "Quando as mães encorajam os pais, eles tendem a
cuidar mais dos filhos".
Quando Leonardo Bisol nasceu, há quatro anos, sua mãe a
editora de arte Márcia Helena
Ramos, 42, nunca tinha trocado uma fralda, mas acreditava
que sabia tudo sobre os cuidados com um recém-nascido
-achava, inclusive, que sabia
mais que o marido, o designer
gráfico Luis Carlos Bisol, 57,
que tem uma filha de 30 anos.
A certeza de que seu jeito de
cuidar do filho era o melhor repercutiu. "O Leo passou a repetir isso. Pensei: "O jeito do pai
também é bom". Ele é tão competente quanto eu, só que vai
por outro caminho", diz Márcia. Agora, quando o filho solta
a frase, ela diz que "às vezes, o
jeito da mamãe é o certo e, às
vezes, o jeito do papai é que é".
Márcia diz que passar a se
importar menos com detalhes
surtiu efeito positivo: até o casamento ficou mais suave. "O
Luis, quando vai lavar o rosto
do Leo, quase afoga o menino,
mas eu não falo nada, porque
no final o resultado é o mesmo
e não causa nenhum trauma",
conta, rindo.
"A palavra-chave é negociação. Ninguém é feliz numa relação desequilibrada de poder.
Quando acho que o meu jeito
de cuidar do Leo está certo, defendo a minha posição e a Márcia acaba aceitando", diz Luis.
Criações diferentes
Não é só o comportamento
feminino que influencia no envolvimento paterno, que tem a
ver também com a forma como
a mãe e o pai foram criados.
"Aprendemos a linguagem
amorosa com nossas famílias",
diz Lidia Aratangy, terapeuta
de casais e família.
Poucos acontecimentos atingem tão profundamente as pessoas quanto o nascimento do
primeiro filho. "É um evento de
proporções enormes na vida
dos pais, não só como casal,
mas individualmente", diz Daniela da Rocha Peres, psicanalista e terapeuta de família.
Nesse momento, há homens
que percebem que não sabem o
que é cuidar de alguém dependente fisicamente dele. "Pode
ocorrer um desinteresse pelos
cuidados com o filho, ligado ao
despreparo emocional para a
função paterna", afirma Luiz
Cuschnir, psiquiatra e psicoterapeuta, idealizador do Iden
(Centro de Estudos da Identidade do Homem e da Mulher).
Há também aqueles que se
abalam com a possibilidade de
ficarem excluídos da dupla mãe
e filho. "Alguns não suportam
esse momento de marginalidade e se separam", diz Peres.
Se há homens que não aguentam e fogem do casamento, há
também aqueles que se sentem
os provedores. Em alguns pais,
essa figura vem carregada de
tão forte angústia que eles passam a trabalhar demais e a se
preocupar excessivamente
com a manutenção da família.
"Um pai muito preocupado não
consegue ter disponibilidade
para cuidar ou brincar com um
bebê", diz Peres.
Dá para superar
Para Aratangy, não há receita
para sobreviver a esse tipo de
situação que pode surgir com o
nascimento do primeiro filho.
"Mas tolerância e bom humor
ajudam um bocado", diz .
Foi o que fez o designer
Eduardo Campus, 34. Como
sentiu que tinha pouco espaço
como pai nos primeiros dias
após o nascimento de sua filha,
Luisa, dava apoio incondicional
à mulher. "Não precisei cavar
meu espaço como pai porque
sabia que ele existia", diz.
Mesmo assim, não se livrou
das críticas. "Tenho uma frase
clássica muito irritante, que é
"quando eu faço...'", diz sua mulher, Liliane Ferrari, 33.
Ela percebeu rapidamente
que não tinha de criticar a forma como Eduardo cuidava da
filha. "A maneira como a Liliane se relaciona com a milha filha é diferente da minha, e filho
precisa dessa diferença. Ele não
precisa de competição entre o
pai e a mãe, mas de um ambiente para crescer forte e aprender
que dentro de casa há dois modelos de criação e que os dois
são certos", diz Eduardo. Ainda
no primeiro ano de vida de Luisa, o casal dividiu as tarefas
-cada um faz, principalmente,
o que gosta. "Eu cuido do almoço da Luisa enquanto ele dá banho e troca de roupa. Eu faço o
leite, e ele a coloca para dormir
e assim vamos", diz Liliane.
Se não há regras para superar
essa fase, dá para entender algumas dinâmicas próprias dela.
"No primeiro mês do bebê, mãe
e filho ficam numa unidade assustadora. Isso é salutar, mas
deve durar pouco", diz a psicanalista Daniela da Rocha Peres.
Passada esta fase, o pai deve
forçar sua entrada. "O ideal é
que ele entre e não só assista. E
que, com o tempo, desfaça a
unidade mãe-bebê."
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