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O desafio é sair fortalecida dessa fase; para os homens, a situação complica bem mais tarde, por volta dos 55 anos
A partir dos 40, mulheres enfrentam crise das boas
LINA DE ALBUQUERQUE - FREE-LANCE PARA A FOLHA
No meio do caminho tem uma crise. Ela costuma bater entre os 40 e 50 anos, quando a mulher de repente se dá conta de que metade da vida já passou. É
nesse momento, junto com as alterações hormonais e a
percepção dos primeiros sinais de envelhecimento, que
ela parte para rever e avaliar as suas realizações.
E não há balanço existencial sem
certa dose de angústia. O primeiro
sintoma dessa transição parece um
tanto impreciso. A mulher começa a
sentir que alguma coisa se perdeu,
mas não sabe muito bem onde nem
como. Há mesmo uma crise no
meio do caminho em maior ou menor grau. E, de acordo com os psicólogos e estudiosos do comportamento humano, todas as mulheres dessa faixa irão vivenciá-la.
É normal -e humano- entrar
em crise. A sabedoria está em sair
dela fortalecida.
"É muito mais saudável reconhecer a crise do que bancar o avestruz e fingir que ela não existe", assegura a
psicóloga Eliane Marraccini, que
acaba de lançar "Encontro de Mulheres - Uma Experiência Criativa no Meio da Vida" (Editora Casa do
Psicólogo). O livro, baseado em depoimentos de mulheres entre 40 e 55 anos, é parte da sua tese de mestrado
em psicologia clínica defendida na
PUC, em São Paulo.
Só fica o que interessa Amadurecer é rever tudo ou quase tudo. Pegar o amontoado de roupas guardadas no armário, separar o que
quer, adquirir novas peças e, aos
poucos, ir se livrando das inutilidades acumuladas. A bagagem pode muito bem conter só o que interessa, o que realmente dá prazer.
O empenho não está mais em
"construir", mas em "reconstruir" e
na sucessão de atitudes vinculadas à
idéia da "reconstrução": revisão de
valores, retomada de antigos projetos, reformulação de hábitos, reinvenção de comportamentos.
O alfabeto do amadurecimento
bem que poderia começar pela letra
"erre". Rever tudo: quem acorda
tarde pode começar a curtir mais a
manhã; quem é sedentária, movimentar o enferrujado esqueleto;
quem estiver insatisfeito com o relacionamento, usar de todos os meios disponíveis para melhorá-lo e, se
ainda sim não for possível, dar
adeus. Batalhar novas oportunidades com ações, e não só com o batalhão de neurônios. Ou "reciclar" (de
novo, o "erre" no comando) antigas
experiências.
Mas todo o trabalho de reformulação exige um mínimo de capacidade organizacional. As prioridades precisam ser bem organizadas -tarefa não muito fácil se a pessoa estiver
com o emocional abalado.
"A mulher que está atravessando
essa crise tem a tendência de ficar
sonhando e vivendo muito no condicional. Ela até faz planos, mas demonstra dificuldade para organizar
prioridades para que as coisas mudem de fato", adverte a psicóloga
Teresa Creusa Goes Monteiro Negreiros, que recentemente defendeu
uma tese de doutorado na PUC-RJ
sobre como as mulheres independentes estão enfrentando processos
de amadurecimento.
Muitas vezes, a terapia acaba dando o empurrão que faltava para ela
se mexer. O objetivo é acordá-la para o tempo presente e, sem desprezar a importância do passado e do
futuro, mandá-los "passear" um
pouco para que ela ponha em prática as suas aspirações.
O surgimento das rugas em torno
dos olhos, o ressecamento da pele e
todo o desequilíbrio hormonal provocado pela aproximação da menopausa são a faceta mais visível do retrato inaugural da "meia-idade" -e
que palavrinha mais desagradável
essa. A insegurança da mulher costuma se agravar diante de uma real
ou imaginária diminuição do desejo
do parceiro ("será que ele se sente
atraído por alguém mais nova?") e
até da conquista de uma independência maior por parte dos filhos,
que entram na adolescência ("e se
ele não precisar mais de mim?").
A mãezona sabe-tudo em geral
acaba perdendo lugar no universo
dos códigos cifrados das tribos jovens.
Mas a "crise da maturidade" não
mais se apresenta, necessariamente,
na porta de entrada dos 40 anos.
"Fatores como o aumento da longevidade, avanço da medicina preventiva e maior inserção da mulher no
mercado de trabalho acabaram por
retardar o momento da crise", constatou Eliane Maraccini em sua pesquisa. Em outros termos: a ficha tende agora a cair mais perto dos 50
anos. Aí as dúvidas e questionamentos correm o risco de despencar de
uma vez.
Fim do ensaio "Nessa fase, cresce a consciência de que a vida, cada
vez mais, será para valer", observa a
psicóloga. "As mulheres percebem
que o tempo dos ensaios acabou. Há
urgência em pôr em marcha realizações que vinham sendo postergadas", ela completa. Mas é grande a
oportunidade de fazer uma escolha:
lamentar o que não fez, chorando
sobre o leite derramado da Cinderela, ou se empenhar ao máximo para
realizar muitos projetos.
Algumas mulheres chegam a dar
grandes viradas nessa fase, como
aconteceu com uma anônima dona-de-casa de Divinópolis, interior de
Minas, que, ao completar 40 anos,
lançou "Bagagem", o seu primeiro
livro de poesias. Seu nome: Adélia
Prado, escritora hoje consagrada e
autora de um poema que sintetiza o
modo como as coisas podem se processar nesta etapa: "Quarenta anos/Não quero a faca nem o queijo/Quero a fome". É a fome de viver, a sensação de que a vida não merece ser
adiada e de que ainda há muito o
que fazer.
"Hoje o Brasil é um país jovem, mas
que tem como musa uma mulher de 50:
Vera Fischer", diz a jornalista carioca Lea
Maria Aarão Reis, autora do recém-lançado "Maturidade: Manual de Sobrevivência da Mulher de Meia-Idade" (Editora Campus). Sinal dos tempos? Nem tanto porque, segundo a mesma autora,
grande parte das brasileiras dessa faixa
temem os efeitos da chamada "síndrome
da invisibilidade".
"Muitas sentem uma perda real do seu
poder de sedução. São menos notadas
nas festas e nas ruas -e ninguém gosta
de se sentir transparente. Mas aquelas
que passaram a vida apostando todas as
fichas na beleza física certamente irão sofrer ainda mais".
Elogio da maturidade O elogio da
maturidade é próprio do meio da filosofia. A filósofa Marilena Chauí lembra que
os pensadores gregos começavam a escrever somente depois dos 40 anos, num
período da vida conhecido entre eles como "akmê". Chauí, por sua vez, concluiu
a sua grande obra, um estudo sobre o
pensador holandês Barauch Spinoza, na
casa dos 40. Outra máxima que circula
pelos corredores universitários é assim
reproduzida pelo filósofo Mário Sérgio
Cortella, colunista do Equilíbrio: "Dos 20
aos 30 anos, ensina-se o que não sabe.
Dos 30 aos 40, o que sabe. E, dos 40 em
diante, ensina-se o que deve". É esse o
justo momento de identificar e fazer uso
de todas as virtudes anteriormente lapidadas.
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