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s.o.s. família - rosely sayão
Pais aprisionam filhos, e escola é cúmplice
Os pais -as mães, em especial- adoram
dizer e pensar que ninguém conhece melhor os filhos do que eles. Esse tipo de raciocínio é absolutamente compreensível. Afinal,
são os pais que, desde o nascimento, acompanham o desenvolvimento, as descobertas que
o filho faz na vida, as primeiras experiências
de êxito, de frustração, de alegria e de sofrimento, as mudanças que ocorrem em cada
idade e a maneira como reage a tudo isso. Os
pais conhecem a fundo a relação que o filho
estabelece consigo mesmo e com a vida. Mas
há um senão: todo esse conhecimento é marcado por aquilo que os pais querem e esperam
dos filhos. Além disso, é no contexto da relação familiar e dos tipos de vínculo afetivo entre os membros da família que esse conhecimento se dá e se mantém.
Ocorre que, desde o início da vida escolar,
no ensino fundamental, o filho tem a oportunidade de ser outro quando está na escola.
Longe das vistas e, portanto, das expectativas e
dos desejos dos pais, a criança se sente mais livre para experimentar outras maneiras de ser
e se relacionar com o mundo, com os colegas e
com os adultos que não fazem parte de sua família. É nessa época que os filhos começam a
trilhar um estilo próprio de ser e de viver.
Muitos pais estranhariam o comportamento dos filhos se pudessem observá-lo quando
eles estão distantes. Esse estranhamento apenas mostra a diferença entre o filho -melhor
dizendo, a imagem que os pais têm dele- e o
garoto ou a garota que está botando o pé no
mundo e se fazendo gente.
Os primeiros a perceberem essa diferença, é
claro, são os professores, já que acompanham
o começo dessa jornada. O problema hoje é
que crianças e adolescentes não têm tido muito espaço para essas experimentações. Os pais
não querem libertar os filhos, não querem
desconhecê-los nem permitir que sejam eles
mesmos e que façam suas escolhas, e a escola
tem sido cúmplice dos pais nesse aprisionamento de seus alunos.
Tudo ou quase tudo o que acontece na escola acaba chegando aos pais. O aluno mente para conseguir algum benefício pessoal no espaço escolar, por exemplo, e a escola corre a contar a novidade aos pais.
Acontece que os pais acreditam na formação
que deram ao filho, e isso provoca um impasse: ou os pais brigam com a escola, afirmando
e reafirmando que o filho não mente ou responsabilizando a escola pelo mau comportamento dele, ou brigam com o filho, porque ele
ousa se comportar e ser de modo diverso do
que a família quer e espera.
Pais e professores precisam admitir que
convivem com pessoas diferentes para que
possam praticar seu papel com responsabilidade e educar sem perder de vista que o objetivo da formação é a autonomia da criança e do
adolescente. Assim, os pais não devem espantar-se com certos comportamentos que os filhos praticam na escola. Devem -isso sim-
agir de modo a fazer o filho arcar com as consequências do que fez e mostrar a ele os valores familiares que transgrediu. Se o filho tem
uma relação de pertencimento com o grupo
familiar, vai avaliar criticamente a experiência
vivenciada de modo a acertar seu rumo ou,
então, vai reafirmar sua escolha e arcar com o
custo disso. À escola cabe enquadrar o aluno
nas regras de convivência, já que seu papel é
formar o futuro cidadão, o ser que vive em sociedade e que, portanto, precisa conhecer e
respeitar suas leis e regras ou arcar com as sanções e penalidades previstas em caso de transgressão.
Os pais podem, sim, conhecer bem o filho.
Mas ele, a partir dos seis ou sete anos, passa a
exercer outros papéis também. E neles pode
ser diferente, o que é natural. O que não é natural é os pais se fazerem onipresentes na vida
dos filhos, vigiá-los diuturnamente, pois isso
significa mantê-los dependentes. O que os filhos fazem quando estão livres dos pais sempre pode surpreender, mas a surpresa nem
sempre é desagradável. E nem sempre é da
conta dos pais.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail:
roselys@uol.com.br
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