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São Paulo, quinta-feira, 07 de agosto de 2003
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s.o.s. família - rosely sayão

Pais aprisionam filhos, e escola é cúmplice

Os pais -as mães, em especial- adoram dizer e pensar que ninguém conhece melhor os filhos do que eles. Esse tipo de raciocínio é absolutamente compreensível. Afinal, são os pais que, desde o nascimento, acompanham o desenvolvimento, as descobertas que o filho faz na vida, as primeiras experiências de êxito, de frustração, de alegria e de sofrimento, as mudanças que ocorrem em cada idade e a maneira como reage a tudo isso. Os pais conhecem a fundo a relação que o filho estabelece consigo mesmo e com a vida. Mas há um senão: todo esse conhecimento é marcado por aquilo que os pais querem e esperam dos filhos. Além disso, é no contexto da relação familiar e dos tipos de vínculo afetivo entre os membros da família que esse conhecimento se dá e se mantém.
Ocorre que, desde o início da vida escolar, no ensino fundamental, o filho tem a oportunidade de ser outro quando está na escola. Longe das vistas e, portanto, das expectativas e dos desejos dos pais, a criança se sente mais livre para experimentar outras maneiras de ser e se relacionar com o mundo, com os colegas e com os adultos que não fazem parte de sua família. É nessa época que os filhos começam a trilhar um estilo próprio de ser e de viver.
Muitos pais estranhariam o comportamento dos filhos se pudessem observá-lo quando eles estão distantes. Esse estranhamento apenas mostra a diferença entre o filho -melhor dizendo, a imagem que os pais têm dele- e o garoto ou a garota que está botando o pé no mundo e se fazendo gente.
Os primeiros a perceberem essa diferença, é claro, são os professores, já que acompanham o começo dessa jornada. O problema hoje é que crianças e adolescentes não têm tido muito espaço para essas experimentações. Os pais não querem libertar os filhos, não querem desconhecê-los nem permitir que sejam eles mesmos e que façam suas escolhas, e a escola tem sido cúmplice dos pais nesse aprisionamento de seus alunos.
Tudo ou quase tudo o que acontece na escola acaba chegando aos pais. O aluno mente para conseguir algum benefício pessoal no espaço escolar, por exemplo, e a escola corre a contar a novidade aos pais.
Acontece que os pais acreditam na formação que deram ao filho, e isso provoca um impasse: ou os pais brigam com a escola, afirmando e reafirmando que o filho não mente ou responsabilizando a escola pelo mau comportamento dele, ou brigam com o filho, porque ele ousa se comportar e ser de modo diverso do que a família quer e espera.
Pais e professores precisam admitir que convivem com pessoas diferentes para que possam praticar seu papel com responsabilidade e educar sem perder de vista que o objetivo da formação é a autonomia da criança e do adolescente. Assim, os pais não devem espantar-se com certos comportamentos que os filhos praticam na escola. Devem -isso sim- agir de modo a fazer o filho arcar com as consequências do que fez e mostrar a ele os valores familiares que transgrediu. Se o filho tem uma relação de pertencimento com o grupo familiar, vai avaliar criticamente a experiência vivenciada de modo a acertar seu rumo ou, então, vai reafirmar sua escolha e arcar com o custo disso. À escola cabe enquadrar o aluno nas regras de convivência, já que seu papel é formar o futuro cidadão, o ser que vive em sociedade e que, portanto, precisa conhecer e respeitar suas leis e regras ou arcar com as sanções e penalidades previstas em caso de transgressão.
Os pais podem, sim, conhecer bem o filho. Mas ele, a partir dos seis ou sete anos, passa a exercer outros papéis também. E neles pode ser diferente, o que é natural. O que não é natural é os pais se fazerem onipresentes na vida dos filhos, vigiá-los diuturnamente, pois isso significa mantê-los dependentes. O que os filhos fazem quando estão livres dos pais sempre pode surpreender, mas a surpresa nem sempre é desagradável. E nem sempre é da conta dos pais.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br


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