São Paulo, quinta-feira, 07 de agosto de 2008
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[+]CORRIDA

Rodolfo Lucena


Arte em movimento

A corrida é uma arte, de carteirinha, papel passado e lugar em um dos mais importantes museus do mundo. Nos corredores da londrina Tate Britain, um atleta dispara a cada 30 segundos, percorrendo, em velocidade máxima, os 86 metros da galeria Duveens, em meio a esculturas neoclássicas e ao refinado ambiente.
O corredor volta a passo, enquanto outro toma o seu lugar, mantendo o ritmo dessa coreografia corredística intitulada "Trabalho Número 850", uma instalação criada pelo premiado artista britânico Martin Creed, que tem por hábito usar números para nomear suas obras e que se notabilizou por tirar de seu habitat atividades humanas comezinhas e mostrá-las como arte.
Um de seus trabalhos mais importantes envolvia luzes que se apagavam e se acendiam em um certo ritmo; outros são dedicados a movimentos mais diretamente corporais, da escatologia ao sexo.
Agora, é a corrida: "Eu gosto de ver gente correndo", diz o artista, cujo trabalho é "simples e cheio de lirismo", na opinião do diretor da Tate Britain, Stephen Deuchar.
De fato, correr é uma arte plena de lirismo e poesia. Tem a intencionalidade que caracteriza a arte: a cada manhã, o corredor se veste de um jeito determinado e, ao sair para a rua, muda o cenário, rompe com as regras que organizam o movimento urbano.
Tricota entre árvores, carros, canteiros, calçadas, construindo um caminho novo, único, que não deixa rastros, mas provoca reações em quem observa o movimento.
O corredor ouve gritos de incentivo, xingamentos, gozações, percebe gestos de apoio e de desprezo: a urbe não lhe é indiferente, reage ao criador que é também peça de exposição -se fosse um quadro, o corredor seria, ao mesmo tempo, o pintor e a pintura.
De certa forma, é o que acontece na instalação engendrada por Creed. Ele selecionou atletas profissionais e amadores para os primeiros tempos do projeto. Mas cidadãos comuns também podem participar, tornando-se co-criadores dessa arte em movimento, reafirmando sua condição de artistas no cotidiano.
Obras de arte mais efêmeras serão construídas neste mês em Pequim, pontuando a ambição humana de tentar chegar a pontos mais altos e ser mais rápido e mais forte. De minha parte, torço para que elas sirvam de inspiração para ajudar a trazer ao mundo o artista que cada um tem em si.


RODOLFO LUCENA , 51, é editor de Informática da Folha, ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (ed. Record)

rodolfolucena.folha@uol.com.br

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