São Paulo, quinta-feira, 07 de setembro de 2000
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outras idéias
Hoje, a modista, o ourives, o designer, o chef, o dono de pousada vão adquirindo status de nova e invejável elite que tem a função de realimentar a si própria e a seus pares
Jeitos novos

Anna Veronica Mautner

Há pouco tempo, quando jovens oriundos da classe média ascendente ou da burguesia não queriam seguir do colegial para a universidade, como era esperado, famílias inteiras entravam em polvorosa. O que vai ser dele? -perguntavam-se todos. E a vida em casa virava um pesadelo.
Nesta virada para o século 21, proliferam profissões de prestígio que exigem destreza, talento e conhecimento, mas não obrigatoriamente diploma. Muitos filhos de famílias em que pai e mãe ostentam diplomas universitários optam por artes/artesanato, artes/comunicação, artes/artes. E mesmo assim não é mais "banido" da família aquele que abre um pequeno comércio de coisas especiais ou que vai para o "design", partindo da marcenaria, ou para a confecção, partindo da moda/estilismo. Não é do curso universitário de nutrição que o jovem embarca na carreira de chef, e sim pela prática do fogão, eventualmente por um curso breve no Senac. Só muito eventualmente, não obrigatoriamente, alguns chefs ostentam cursos de hotelaria. O mesmo ocorre com quem opta por jardinagem/paisagismo, ourivesaria, tecelagem, criação de papéis especiais, além de música, teatro, esportes, atividades ligadas ao bem-estar, como massagem ou ginástica.
A posição social do artesão que cria todo esse "luxo sob medida" sofreu enorme transformação nas últimas décadas. Se é por isso que se formou essa nova elite ou se foi essa nova elite que provocou essa mudança, não sei. Ocorreu paralelamente com certeza. Até os meados do século 20, aqueles que nos tornavam especiais entre os especiais, os artesãos-artistas, eram valorizados, prezados, respeitados e até, de certa maneira, festejados. Cada consumidor se orgulhava, exibia ou até escondia seus artesão. Mas, até muito pouco tempo atrás, por mais preciosos que fossem, entravam ou pela porta dos fundos ou pela lateral. Podia haver até intimidade, mas nunca, um convívio público. Atualmente, os artesãos-artistas são esperados na porta da frente e exibidos como trunfos na vida pública de seus clientes. E nos penúltimos tempos andam penetrando até no afetivo e no familiar.
As críticas incessantes feitas ao estilo de vida que os executivos de grandes corporações levam fazem com que os jovens mais bem informados venham a se desinteressar por essas carreiras. Eles não se deixam seduzir pelo canto das sereias que prometem viagens, hotéis, prêmios e outras tantas mordomias. A idéia de qualidade de vida vai tendo uma influência decisiva na escolha de uma carreira. Paralelamente à importância da qualidade de vida, os jovens sentem uma pressão forte e ininterrupta para se distinguirem do anonimato. Para tanto, pelo menos dois caminhos estão abertos: o da criação e o do uso de objetos especiais que vão definir um estilo. O primeiro passo desta escalada para a modernidade está em ser, pelo menos, igual aos outros, para imediatamente após procurar uma forma de emergir da igualdade para a individualidade. A produção industrial em larga escala responsabiliza-se por suprir o necessário para este primeiro passo. Os artífices que esculpem e projetam as novas possibilidades de ser e de usar foram agraciados com uma posição preferencial na escala social. Isso vem abrindo um enorme leque de novas opções de carreira que antes pertenciam exclusivamente à classe média baixa. Assim, hoje, a bordadeira, a modista, o ourives, o designer, o chef, o dono de pousada vão adquirindo status de nova e invejável elite que tem a função de realimentar a si própria e a seus pares.
Essa transformação vai mexendo com o esquema de profissionalização. Mas sobre isso vou falar em um outro dia. Só vou adiantar que um dos atrativos destas novas profissões nobres e assinadas está na liberdade de escolher o mestre com quem aprender, enquanto a formação tradicional impunha aos alunos necessidades de um certo saber e de um professor. Quando nos afastamos dos caminhos tradicionais, não só escolhemos novas carreiras como escolhemos um estilo de vida e, de uma certa forma, uma certa liberdade.


ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e autora de "Crônicas Científicas" (ed, Escuta), escreve aqui uma vez por mês


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