São Paulo, quinta-feira, 07 de outubro de 2004
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s.o.s. família

rosely sayão

Pragmatismo não cria laços familiares sólidos

Os vínculos familiares nunca foram considerados tão importantes na educação dos filhos e, portanto, na formação do futuro adulto quanto agora. Todos os tipos de profissional -principalmente os da saúde, os da educação e os afins- concordam, no mínimo, com esse ponto. E convenhamos que não é nem um pouco comum que profissionais dessas áreas encontrem consenso em seus trabalhos. A própria família, o sujeito desse clamor geral e também do conseqüente julgamento que isso implica, também concorda a respeito dessa sua importância.
Ao mesmo tempo, parece que nunca foi tão difícil estabelecer laços de família sólidos ou mesmo entender como construir tais laços, principalmente entre pais e filhos.
Vivemos uma contradição no mundo contemporâneo: justamente quando ansiamos por uma vida familiar de trocas e de intensa comunicação emocional e que faça sentido para todos os membros, o cotidiano da vida privada é absolutamente sufocante. E isso, por si só, já se transforma em um dos grandes obstáculos para esse anseio. Como vive a família em geral, e não apenas nos grandes centros?
Os pais trabalham por horas a fio, enfrentam dissabores com o trânsito e nele gastam tempo em demasia, desgastam-se com as preocupações presentes e com as prováveis do futuro, tentam se equilibrar ante as pressões da frágil vida econômica, sempre em crise, e se ocupam com as demandas de consumo e com os apelos que os levam a olhar cada vez mais para si próprios. Assim, no fim de cada santo dia, tudo o que esses pais almejam é chegar em casa torcendo para que os filhos já tenham feito as tarefas escolares e para que não criem problemas. É nesse estado que muitos, ao chegarem, se jogam na frente da TV ou do computador e lá se deixam ficar pressionados por tantas questões e em estado permanente de quase esgotamento.
Como as relações afetivas são sempre conflituosas e a função educativa requer dedicação e disponibilidade constantes, muitos pais acabaram por concretizar suas relações com os filhos de modo totalmente pragmático. Assim, prover o que ele precisa e também o que ele quer, tomar os cuidados necessários com a saúde e a segurança, possibilitar o desenvolvimento de competências e habilidades consideradas necessárias, providenciar lazer e vida social e acompanhar de perto -tão perto quanto possível- a vida escolar do filho, tutelando o trabalho da escola etc. e tal, essas se tornaram as atividades dos pais na educação dos mais novos.


Um sorriso na hora certa, a contenção necessária, as advertências requeridas e o acompanhamento solidário nos momentos sofridos expressam o interesse real e o gosto dos pais de estarem com os filhos até que a vida obrigatoriamente os separe


É dessa maneira que os pais esperam construir relações de intimidade com os filhos e dar conta de suas responsabilidades. Ah! Não se pode esquecer a importância que se dá aos afetos amorosos. Expressões verbais de amor, abraços e beijos passam a ser obrigação nessas relações.
Quando crescem e se tornam adolescentes, os filhos precisam colocar limites nessas efusivas manifestações afetivas. "Menos, menos!", dizem eles, constrangidos, aos pais.
Ocorre que a intimidade emocional familiar e os vínculos de pertencimento que colaboram na formação da identidade e na construção da própria imagem se dão é na troca de coisas quase invisíveis. Um sorriso na hora certa, a troca de olhares cúmplices, a contenção necessária, as advertências requeridas, o acompanhamento solidário nos momentos sofridos e o carinho sutil que dispensa espectadores, por exemplo, é que expressam o interesse real e o gosto dos pais de estarem com os filhos na saúde e na doença, nas tristezas e nas alegrias, até que a vida obrigatoriamente os separe.
Com uma vida tão atribulada e com tanta praticidade disponível, é tentador imaginar e esperar que o convívio familiar seja natural conseqüência da vida em comum entre pais e filhos. Não: os laços precisam de dedicação para se estabelecerem e, mais ainda, para que se mantenham.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br


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