São Paulo, quinta-feira, 07 de novembro de 2002
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Especialistas dão o caminho das pedras para que as madrastas, os enteados e os pais convivam com menos conflitos

Madrasta é figura comum nas novas famílias

ANTONIO ARRUDA - DA REPORTAGEM LOCAL

Há 20 anos, madrasta era a mulher que entrava na vida das crianças somente quando a mãe morria. Com o aumento do número de divórcios e de "recasamentos", ela passou a ser uma das peças principais das novas estruturas familiares e, na maioria das vezes, de forma deslocada. Quem ganha o papel de madrasta hoje tem de encarar uma rotina familiar complexa e dinâmica.
Fazem parte do seu atribulado dia-a-dia os filhos do marido, em geral confusos por causa da separação dos pais; a ex-mulher dele, que, por mais que encare a situação com naturalidade, em boa parte dos casos acaba interferindo na nova relação do ex; e o próprio marido, que carrega a experiência de um matrimônio anterior, o dilema de como criar os filhos sem a mãe biológica e a incerteza sobre a aceitação da nova companheira por parte dos pimpolhos, por exemplo. Isso tudo sem contar que, nas adjacências da "trama", há ainda a ex-sogra, a atual sogra, os ex-cunhados, os novos cunhados, os sobrinhos e, quem sabe, até o cachorro e o periquito! Não à toa as madrastas sentem-se perdidas.

Perfeição ou malvadeza
Pesquisa realizada com 50 madrastas e 50 mães pela psicóloga Denise Falcke, da PUC-RS, cujos trechos constam do recém-lançado livro "Família em Cena -Tramas, Dramas e Transformações" (ed. Vozes), identificou que o grande drama das madrastas é ficarem perdidas entre dois mitos: o da maternidade como sinônimo de perfeição e o da madrasta como sinônimo de malvadeza (tal qual é retratada nas fábulas infantis). "Por causa dessa dicotomia, é comum madrastas sofrerem pressões para se adaptarem ao modelo de "uma mãe como outra qualquer'; e, diante da impossibilidade de serem uma réplica perfeita da mãe biológica, frustram-se e ficam com muito medo de errar", explica Falcke. Psicólogos norte-americanos voltaram-se para a questão nos anos 90. Uma das principais conclusões a que chegaram é que três padrões utilizados para orientar a posição da madrasta devem ser contestados: o de que a madrasta pode substituir a mãe, o de que pode ser considerada uma segunda mãe, e o de que pode ser a melhor amiga dos enteados. "A mãe é insubstituível. O que é substituível é o papel que ela exerce", explica a psicóloga e colunista da Folha Rosely Sayão. Nesse sentido, a madrasta pode assumir funções que antes eram desempenhadas pela mãe biológica. Mas isso só deve ser feito mediante a autorização do pai, o qual deve explicitar aos filhos que ele está dando o aval para que ela interfira, por exemplo, na educação deles. "Se eles vêm reclamar de alguma coisa comigo, digo: "Falem com o seu pai". E, se tenho de chamar a atenção deles, sempre faço com o suporte do meu marido", diz a arquiteta Roberta Palermo, 33 anos, que relata sua experiência de ex-enteada e atual madrasta no livro "Madrasta -Quando o Homem da sua Vida Já Tem Filhos" (ed. Mercuryo). O assunto dá tanto ibope que ela criou o site www.madrasta.hpg.com.br e a AME (Associação de Madrastas e Enteados). Contar com o aval do pai é importante também para evitar outra situação comum, que é ouvir a típica frase: "Vou dizer para a minha mãe que você mandou eu fazer isso". Se o pai está amparando essa "ordem", a criança vai pensar mais antes de dar uma de leva-e-traz. Porém é absolutamente comum os enteados, principalmente no início da relação com a madrasta, fazerem picuinhas e soltarem frases como: "Minha mãe faz essa comida melhor" e "minha mãe deixa eu fazer isso", afirma a psicanalista Magdalena Ramos, coordenadora do Núcleo de Casal e Família da PUC-SP. Esse tipo de comportamento faz parte de uma série de recursos usados pelo enteado para mostrar lealdade à mãe. "A criança ou o adolescente já estão abalados com a separação e costumam ter a sensação de que perderam o pai; na cabeça dos enteados, a madrasta vem para aumentar ainda mais essa perda", explica Maria Rita D'Ângelo Seixas, coordenadora do curso de terapia familiar do Departamento de Psiquiatria da Unifesp.

Passado alheio
A madrasta também terá de conviver com um passado que ela preferiria não saber, mas o qual a criança com certeza vai revelar. "Inevitavelmente, vão surgir situações em que o enteado vai comentar: "Lembra, pai, quando nós fizemos aquela viagem?". A intenção é deixar a madrasta de fora", diz Ramos. Além disso, a questão financeira costuma ser motivo de irritação, "pois a madrasta às vezes encara o dinheiro da pensão como algo que lhe está sendo tirado", diz a psicanalista. Nesse caso, o melhor é ficar longe dos problemas burocráticos que o marido tem com a ex-mulher. E essa é só uma das várias atitudes (leia mais nas páginas seguintes) que ajudam a minimizar os conflitos com os quais essa nova família costuma conviver.



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