São Paulo, quinta-feira, 07 de novembro de 2002
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outras idéias anna veronica mautner

O homem jovem que se encanta com uma mulher mais velha fica frequentemente surpreso com o que pode desvendar dos segredos de alcova que a mãe nunca lhe desvendou

A paixão de senhoras por jovens

Fala-se que está na moda mulher mais velha escolher moço mais novo. Fala-se muito da idade do lobo quando o homem troca uma de 40 por duas de 20. E essa dinâmica é, em geral, explicada de maneira muito simplista, sendo a motivação atribuída ao homem muito diferente daquela atribuída à mulher.
Esse senhor, homem mais velho, quer sentir-se jovem. Nega sua idade e vai buscar na nova relação atributos de juventude, possibilidade de começar nova família, por exemplo. A razão dos homens é fácil de ser entendida. Diria quase que é legítima, afinal quem quer aproximar-se do seu próprio fim? Ninguém quer exibir desgaste.
O homem jovem que se enreda com uma mulher mais velha ou bem mais velha era, antigamente - há pouco tempo-, visto como fraco ou explorador, que procurava apoio ou dinheiro e conforto.
A mulher jovem, por ser mulher, pode, sem ser fraca de caráter, carecer de proteção e apoio -seja moral, seja financeiro. Afinal, todos sabem, desde que Freud generalizou o Édipo, que a menina ama o pai e o disputa com a mãe. Também é sabido e aceito que o menino procura proteção na mãe, disputando-a com o pai. Assim é fácil. Dois mitos, mais uma autoridade científica (Freud), e a questão dos casamentos intergeracionais se resolve. Diferimos hoje do ontem apenas no que tange à visibilidade da relação da senhora com o menino. Seria uma vitória do feminismo apenas? Como vamos hoje saber os segredos de alcova de antigamente, quando elas não se permitiam a dimensão do desejo?
O fato é que, nem no mito, nem na vida, a paixão da senhora pelo moço tem efeitos subjetivos declarados. Fica como resultante da liberdade recém-conquistada. A mulher quase imitando o homem. "Se ele pode, eu também posso." Mas por quê? O que a motivaria a fazer essa escolha?
Acontece que muito mais coisas ocorrem no mundo interno, no mundo das emoções das mulheres. Elas também disputaram o pai, se for verdadeiro o mito. E por que se quer que a mulher ame sempre -viúva, divorciada- o pai idoso, e não o pai de sua infância? Podemos dizer que o homem trocaria de mulher para ter sempre o objeto de seu desejo -aquela mãe, de sua infância, que ele disputou com o pai. E por que ela não? O amor pelo pai não se instaura com o pai que temos aos 40 anos, e sim com o pai que tivemos aos cinco, que tinha, em geral, 30 ou menos de 30.
O amor que tínhamos pelo nosso papai jovem não era um amor-paixão para dele herdarmos filhos. Era o amor de uma criança que gostaria de ver e ter, de novo, o pai sorrindo diante de suas descobertas, aptidões recém-adquiridas. O homem jovem que se encanta com uma mulher mais velha fica frequentemente surpreso com o que pode desvendar dos segredos de alcova que a mãe nunca lhe desvendou. E, a cada descoberta, ele exclama e se surpreende. E então ela tem o pai para quem sempre quis se mostrar, e ele tem a mãe, que ele sempre cobiçou. Essa nova dimensão, que transcende as meras vantagens materiais ou de cuidado e proteção, só se tornou possível depois da libertação dos gêneros. Quando não mais predomina a necessidade de proteção, pode vir à tona essa dimensão sutil do desvelamento e da descoberta das intimidades.


ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (editora Ágora), escreve aqui todo mês; e-mail: amautner@uol.com.br



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