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Espiritualidade na vida e no consultório faz bem à saúde
Jewel Samad/France Presse
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Garota faz oração em templo budista do vilarejo de Bongomati, no Nepal |
Estudos científicos apontam os benefícios da fé para os pacientes,
e médicos defendem que religião deve ser assunto da consulta
ANA PAULA DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
A fé pode curar um paciente? Quem frequenta a igreja fica menos doente
ou até vive mais? E aquele doente que vai para a cirurgia com a medalha
da santa na mão tem chances de se recuperar melhor do que o paciente cético? Médicos de diferentes áreas em todo o mundo -independentemente de
credo- buscam comprovação científica para a relação entre espiritualidade
e saúde. Nos EUA, a maioria dos cursos de medicina possui, na grade curricular, disciplinas que discutem doença, fé, cura e espiritualidade com os futuros
médicos e como abordar o assunto com seus pacientes. Por aqui, a discussão começa a despontar.
Muitos dos inumeráveis estudos
científicos são realizados por importantes universidades estrangeiras e
publicados em revistas especializadas
em medicina.
Em parte, diz o psiquiatra Harold
Koenig, diretor do Centro para Estudos da Religião, Espiritualidade e
Saúde da Universidade Duke (EUA),
esse "reencontro entre Deus e medicina" partiu dos pacientes, que estão
exigindo maior humanização no
atendimento, e de constatações científicas de que a crença religiosa pode
influir -para o bem ou para o mal-
na saúde do homem.
Os cientistas descobriram que a religião dá aos pacientes mais tranquilidade para expor seus problemas e serenidade para se entregarem a procedimentos cirúrgicos, diz o cardiologista Roque Marcos Savioli, um dos
pioneiros no Brasil a levar Deus para
o consultório, ou melhor, a introduzir o assunto durante a consulta. Ele
até sugere ao paciente mais religioso
que reze junto com ele durante o exame clínico. "Isso é um calmante", diz
o médico, autor de "Milagres que a
Medicina Não Contou" e "Depressão
- Onde Está Deus?" (ed. Ágape).
Koenig, o papa dos estudos sobre
espiritualidade e medicina, afirma
que, entre as 24 pesquisas que já realizou em 20 anos, a que mais o surpreendeu foi a que abordou o efeito
da fé sobre o sistema imunológico.
Entre 1986 e 1992, foram colhidas
4.000 amostras sanguíneas de pessoas com mais de 65 anos que frequentavam regularmente a igreja ou
não tinham hábitos religiosos. O objeto de estudo foi a interleucina-6,
proteína do sangue que indica o estado do sistema imunológico. O nível
da proteína foi maior entre os fiéis, "o
que quer dizer melhor sistema imunológico" (leia sobre outras pesquisas nas págs. 6 e 8).
Para aproximar médicos da vida espiritual de seus pacientes, o American College of Physicians, maior sociedade americana de especialidades
médicas, sugere aos profissionais
que, durante a anamnese, sejam feitas
quatro questões. São elas: se a crença
do paciente traz conforto ou estresse
-assim é possível saber como ele lida com a doença- , se a religião poderia interferir no tratamento médico, se considera que sua saúde mental
tem relação com a espiritualidade e se
gostaria de falar a respeito de religião
com o médico. Sobre este último tópico, uma pesquisa americana apontou que 77% dos pacientes gostariam
que o médico falasse sobre religião,
mas só 10% deles falam em Deus com
seus pacientes, diz Savioli.
No entanto abordar o assunto pede
cautela. "O paciente pode pensar que
está morrendo e que só um milagre
divino pode salvá-lo", brinca Koenig.
"Algumas crenças não dão esses benefícios que estão sendo descobertos
pela ciência, pois não acreditam em
um Deus pacífico, misericordioso,
mas em um que pune e é severo. Se
não acreditam no perdão, os fiéis se
sentem culpados e ficam mais deprimidos, aumentando o nível de cortisol, reduzindo o sistema imunológico
e, consequentemente, piorando o
quadro clínico", diz Koenig.
E é nisso que se apóiam os críticos
mais fervorosos da idéia de estreitar
as relações entre medicina e religião.
"Muitos pacientes atribuem a doença
à punição divina e simplesmente ignoram qualquer tratamento médico,
já que "Deus quis assim". Pelo excesso
de fé, fiéis podem literalmente entregar nas mãos de Deus uma doença
grave, negando qualquer tratamento
médico", diz o professor de psiquiatria Richard Sloan, da Universidade
de Colúmbia (EUA). Além disso, para ele, as metodologias dessas pesquisas não se sustentam, referindo-se a
um dos estudos de maior repercussão: o poder da reza a distância.
Publicado na revista científica
"American Heart Journal" em 2001, o
estudo da Universidade Duke dividiu, em dois grupos, 120 pacientes cardíacos submetidos
à angioplastia. Para um grupo de pós-operados, sem que soubessem, foram feitas orações por rabinos, pastores, padres,
budistas, entre outros, durante um ano.
Resultado: eles tiveram de 25% a 30% de
redução dos efeitos colaterais -como
morte, insuficiência cardíaca e ataque
cardíaco- em relação aos demais. Essa
foi a primeira fase do estudo chamado de
Mantra (Monitoring and Actualization of
Noetic Trainings). A segunda etapa, com
700 pacientes, acaba de ser concluída. E,
surpresa, não houve alteração entre o
grupo que recebeu as preces e o outro.
Para Sloan, "isso é ciência "junkie", é
perda de tempo. É difícil estabelecer um
controle sobre o grupo, pois muitas pessoas já rezam para o doente". Para o psiquiatra Fabio Herrmann, da Sociedade
Brasileira de Psicanálise de São Paulo,
pesquisas não fundamentadas podem
provar qualquer coisa que se queira.
"Mas não se pode negar o fato de que a
igreja funcione como substituta da terapia. Aproxima as pessoas", diz ele, autor
de "Psicanálise da Crença" (ed. Artmed).
Cruzada religiosa
O Instituto de
Saúde dos Estados Unidos pretende aplicar US$ 3,5 milhões nos próximos anos
em medicina do corpo e da mente, segundo reportagem de novembro da revista "Newsweek". Persistente na premissa de que os princípios da evolução e
a idéia de Deus como criador são compatíveis, o magnata americano John Templeton, 92, aplica US$ 40 milhões por ano
em pesquisas que tentam se aproximar
de sua convicção.
"É por isso que, no Brasil, não há estudos como lá fora. Não existe investimento financeiro nesse campo de pesquisa",
diz Alexander Moreira de Almeida, psiquiatra e coordenador do Neper (Núcleo
de Estudos de Problemas Espirituais e
Religiosos). Para Koenig, nesse aspecto o
Brasil hoje está como os Estados Unidos
estavam dez anos atrás.
A passos curtos, começa-se a fomentar
por aqui essa discussão nos meios médicos. No mês passado, rabino, espírita, padre, pastor, estudiosa de filosofia oriental
e um ateu foram chamados para encerrar
a 1ª Jornada de Religião e Prática Médica,
curso de três meses realizado no Hospital
das Clínicas de São Paulo.
É importante lembrar que humanização ou qualidades como espiritualidade e
religiosidade não se limitam a quem segue práticas como frequentar um templo
e orar. "É estreitar a relação com o paciente, começando com pequenos detalhes, como um consultório mais simpático e acolhedor", afirma o dentista Dalton
Luiz de Paula Ramos, professor de bioética da USP, membro da Pontifícia Academia Pro Vita, do Vaticano, e coordenador do Núcleo Fé e Cultura, da PUC.
"A espiritualidade faz parte da formação do caráter. A cultura influencia profundamente o desenvolvimento do caráter. Se faz parte da cultura, a religião faz
parte do caráter", reflete Almeida.
Em um ponto, médicos céticos ou não
concordam: o paciente deve ser tratado
como um ser completo. "Não é um coração que vai ao consultório, é um ser humano", diz o dentista e médico do Vaticano.
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