São Paulo, quinta-feira, 08 de janeiro de 2009
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NEUROCIÊNCIA

Suzana Herculano-Houzel

Paixão duradoura


[...] A visão do objeto de nossa paixão nos motiva a fazer o que for preciso para ficar perto daquela pessoa

Eis uma ótima notícia para começar o ano: um estudo recente mostra que o sistema de recompensa do cérebro de pessoas apaixonadas pelo cônjuge em casamentos de cerca de 20 anos de duração responde à visão da pessoa amada com a mesma euforia e empolgação dos casais recém-apaixonados.
A descoberta, feita pelo grupo da antropóloga Helen Fisher e da neurocientista Lucy Brown, contradiz a visão popular de que a paixão tem data de vencimento: seriam cerca de 18 meses, segundo a imprensa, baseando-se apressadamente em um estudo sobre mudanças no metabolismo de serotonina publicado dez anos atrás. A antropóloga Helen Fisher, que há cinco anos escreveu um livro defendendo que a paixão é como um vício -um estado elevado de motivação, no qual fazemos o que for preciso para obter mais uma dose do nosso objeto do desejo-, não fazia muita questão de discordar da visão da paixão inevitavelmente autoconsumida.
Afinal, ela é um estado particular de intensa ativação do sistema de recompensa, formado por aquelas estruturas que sinalizam ao resto do cérebro quando algo interessante acontece ou tem grandes chances de acontecer, causando prazer e satisfação -que, por sua vez, nos impelem a fazer o que for preciso para que a tal coisa interessante aconteça de novo e de novo e de novo.
Assim, a visão do objeto de nossa paixão, como uma droga, nos deixa eufóricos e altamente motivados a encontrar lugar na agenda, faltar ao trabalho, virar madrugadas, atravessar a cidade a pé e o que mais for necessário para ficar perto daquela pessoa. E, assim como uma droga, a paixão deixaria o sistema de recompensa "habituado" ao excesso de ativação e se autoconsumiria com o tempo. Na visão anterior de Fisher, uma vez passadas a novidade e a euforia iniciais, o sistema de recompensa arrefece. Com isso, chega de paixão: nada de arroubos intensos, de grandes esforços, de noites sem dormir. Na melhor das hipóteses, a paixão se transforma em amor (nada mau como hipótese, aliás). Certo?
Errado, segundo a própria Fisher. A paixão pode até ter efeitos comparáveis a um vício, mas não é um: ela não destrói a capacidade de prazer do cérebro. Ela pode morrer por outras razões -mas esse não é seu destino inexorável. Alimentar a chama cerebral da paixão está ao nosso alcance, de maneiras que muitos casais descobrem sozinhos -e você lerá aqui na próxima coluna. Enquanto isso... Um feliz 2009 para você, leitor, repleto de amor e paixão!


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do site "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (www.cerebronosso.bio.br)

suzana.herculano-houzel@grupofolha.com.br


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