São Paulo, terça-feira, 08 de fevereiro de 2011
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A dra. das mal-amadas

A psicanalista Mariela Michelena se especializou em mulheres mansas, que aceitam relacionamentos frouxos e estão sempre dispostas a esperar e esperar

FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS

A psicanalista venezuelana Mariela Michelena tratou muitas mulheres "estupendas", que viravam "menininhas doentes" quando o jogo era o "bem-me-quer, mal-me-quer", como diz.
Foi catalogando as experiências e criou uma categoria: a das "mal-amadas". O resultado está no best-seller "Mujeres Malqueridas", sem data para chegar ao Brasil.
Não é que o homem não goste da mal-amada, explica a autora. "Pode ser que goste muitíssimo dela. Mas gosta de maneira esquisita, torcida, e ela se contorce até encontrar uma forma exata de se encaixar no traçado caprichoso desse amor ruim." O livro é um painel de histórias embaladas à la autoajuda. Mas cada parte comenta e explica, sem baratear, conceitos de psicanálise.
Michelena diz que elas podem ter ganho muitas batalhas e mudado a correlação de forças no mundo. Mas, no amor, ainda estão no século 18, com seus anseios de compromisso e maternidade.
"O que vemos agora é este drama: mulheres que alcançaram alto nível de vida e cultura e chegam à consulta porque um homem a deixou, levam anos esperando um compromisso ou sofrem porque ele prometeu largar a mulher e não largou."

 

Folha - Como surgiu a classificação de "mal-amadas"?
Mariela Michelena -
Foi minha maneira de transmitir, com a linguagem de um bolero, acessível a todos, algo que vi repetidas vezes na clínica: mulheres brilhantes, estupendas em distintas áreas da vida, que sofrem por amor. Para elas, só o que importa é que o homem diga: "gosto de você", e então tudo o mais se apaga. O livro mostra que isso não é suficiente. Ele pode gostar muito de você, mas gostar muito mal.

Se o projeto de emancipação feminina deu certo em tantas áreas, por que falha nessa?
O amor romântico é relativamente novo. Os casais se juntavam para ter filhos. "Ele gosta ou não gosta de mim" não era uma questão. Agora, há coisas que se notam mais hoje, por causa das mudanças de relação que estão acontecendo. Não é tanto que a mulher tenha mudado no amor. É que, dadas todas as mudanças, o sofrimento por amor se ressalta mais.

Há defasagem entre relação a outras áreas da vida?
Avançamos em independência econômica etc. No que se refere aos afetos, seguimos sendo as mesmas do século 18. Não me parece ruim que para nós, mulheres, a questão afetiva venha primeiro. Estamos destinadas a fazer um lar, um ninho. Mas não a qualquer preço.
Não ao preço da saúde mental. Não pagando o preço de sofrer maus-tratos. Não às custas da sua tranquilidade da sua identidade.

De que mulher falamos?
Estou falando da mulher que diz que não se importa, que não vai se comprometer, que para ela é suficiente um amigo com direito a sexo.
Mas, no fundo, não é assim. Por mais avançadas que sejamos, a maternidade continua importante. Queremos um homem que cuide de nós e que seja capaz de se comprometer. Mas queremos isso conscientemente. E insistimos em buscar homens que não são capazes nem de uma coisa nem de outra.

Esse sentimento maternal universal faria enjoar mais de uma feminista...
As feministas se arrepiam.
Para elas, temos de abandonar o ideal de amor romântico. Se conseguíssemos, sofreríamos muito menos. Mas não falo de ideal, falo da clínica.

As tais "novas conjugalidades" (casais que não moram juntos etc.) podem ser positivas para a mulher?
Sim, e ainda não. Creio que os avanços foram mais rápidos do que nós. Fomos capazes de mudar muitas coisas, mas não mudamos a nós mesmas. Os homens estão mais confortáveis nesses novos formatos.

A sra. diz que o livro é um mapa com alertas, mas não um GPS. Por quê?
Não confio em GPS. É que nem conselho. Cada um faz o que pode fazer. Porque a coisa é de dentro para fora e não de fora para dentro. Uma mulher só vai deixar o namorado que a maltrata quando puder. Esse "poder fazer" depende do limite de cada uma.

Num fórum de comentários do seu livro na Venezuela, um homem perguntou: "Como sei se estou amando mal minha mulher?"
Às vezes, nós aguentamos tanto, mimamos tanto, cedemos tanto que os homens não têm ideia de que estão amando mal, maltratando suas mulheres. É papel dela dizer "paro por aqui".


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