São Paulo, terça-feira, 08 de junho de 2010
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'O silêncio não pode ficar nos guetos de religiões'

DE SÃO PAULO

O escritor norte-americano George Prochnik saiu em busca do silêncio pelo mundo. Passou uma temporada em monastérios, visitou projetos e conversou com quem pesquisa o efeito do silêncio no corpo e na mente.
Seus achados são descritos no livro "In Pursuit of Silence" (Em busca do Silêncio, editora Doubleday), ainda sem previsão de lançamento no Brasil.
A experiência inspirou a criação do blog inpursuitof silence.com. Para ele, o silêncio não deve se limitar a algumas religiões nem ser "commodity de butique".
"Muita gente não acredita em religião e não tem dinheiro para sair do barulho. Quero mostrar que existem diferentes formas de silêncio."
Em entrevista à Folha, Prochnik conta suas impressões sobre a necessidade de um mundo mais quieto. (JS)

 

Folha - Por que você decidiu escrever sobre o silêncio?
George Prochnik -
Comecei a perceber que era cada vez mais difícil encontrar locais quietos. Eu queria saber se isso era verdade ou se eu havia me tornado mais sensível ao barulho com a idade. Depois de viajar pelo mundo, vi que minha suspeita sobre a mudança em nosso ambiente acústico estava correta.

Que mudanças ocorreram?
Há um paradoxo. Enquanto o mundo de hoje não deve ser mais barulhento do que o de cem anos atrás, nós estamos vivendo em um lugar com menos silêncio.
Especialistas em ruído urbano dizem que, no passado, havia muito mais contraste acústico nas cidades.

Como assim?
O problema hoje é a falta de locais quietos para onde se possa escapar. Na Londres vitoriana, alguns moravam próximos a fábricas extremamente barulhentas, coisa que ocorre menos hoje. Mas havia mais lugares para fugir dos ruídos: as margens de um rio, áreas verdes etc.

É possível reencontrar meios de ficar mais quieto?
Primeiramente, precisamos aprender a nos desplugar dos portais de estimulação visual e acústica dos quais somos dependentes. Precisamos redescobrir o mundo sem MP3, celulares e outros aparelhos que nos colocam em bolhas sonoras e nos protegem do barulho maior do mundo exterior.
Em segundo lugar, precisamos construir espaços democráticos, onde todas as classes possam aproveitar a quietude. O silêncio não pode ficar nos guetos de algumas religiões nem ser reduzido a commodity de butique.

O que você encontrou de mais interessante em suas viagens?
Percebi que lugares que estão tentando policiar o barulho com leis antirruído estão perdendo a batalha. Mesmo que as leis fossem aprovadas, seria preciso pagar pessoas para garantir que seriam cumpridas, e as prioridades são outras, ninguém está preocupado com reclamações sobre barulho.
Em contrapartida, lugares que trabalham para "criar" o silêncio estão progredindo. Vi bons projetos no Reino Unido, Dinamarca e Suécia.

O que, por exemplo?
Jardins zen de inspiração japonesa e projetos específicos de áreas mais calmas, como o Paradise Park Children's Centre, em Londres.

É possível encontrar o silêncio de verdade?
O silêncio real, para mim, é o equilíbrio entre som e silêncio que nos permite estar abertos ao mundo. Se as pessoas pudessem usufruir de momentos mais quietos, seria mais fácil se abrir e se identificar com o mundo.

Você consegue encontrá-lo com facilidade?
Encontro o silêncio em vários lugares na cidade, como parques ou templos. Não consigo fazer isso nos cafés, porque, em Nova York, todos tocam música alta. Também não encontro silêncio em bibliotecas, porque os computadores e aparelhos sonoros pessoais tornaram esses lugares bem ruidosos.
Gosto do silêncio do litoral: apesar de haver sons de ondas e pessoas e do vento, são muito agradáveis. Mas fico indignado quando alguém se acha no direito de ligar uma música que todos são obrigados a ouvir.

Você acha que as pessoas se preocupam com o mundo barulhento onde vivem?
Sim, mas elas se sentem travadas. Parece ser um problema muito grande para resolver. E elas são viciadas em barulho -muitas não desligam o iPod e ligam a TV ou o som em qualquer momento em que estão em casa.
Não podemos esperar progresso nesse sentido até reconhecermos que o mundo nunca será mais quieto se não começarmos a nos desplugar de vez em quando.
Muita gente simplesmente não tem nenhuma experiência de uma vida quieta. Como vamos pedir a alguém para ser menos barulhento se não sabe o que é o silêncio?


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Frase
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.