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A morte é mais uma das mudanças da vida
JANAINA FIDALGO - DO FOLHA ONLINE
frase do escritor francês Albert Camus:
"O homem é a única criatura que se recusa a ser o que é" (ou seja, mortal). A tal
ponto, diz Cortella, que estipula um dia
para lembrar os mortos, quando se deveria ter isso sempre em mente.
"A morte é considerada algo que deve
ser combatido a todo custo", diz a professora de psicologia da morte Maria Júlia
Kovacs, do Instituto de Psicologia da
USP, sobre o pensamento ocidental que
assemelha a morte ao fracasso.
E essa negação da morte só tem ganhado força. Segundo o antropólogo Acácio
Almeida Santos, nos últimos anos, houve
um processo pelo qual a morte, que já era
um tabu, passou a ser ainda mais escondida. "Dentro do processo de afastamento, ao colocar a morte (o velório) para fora de casa, criamos recursos para fingir
que ela não existe."
A própria maneira com que o termo
morte é empregado cotidianamente faz
acreditar que a dificuldade de adaptação
ao assunto foi superada.
"Na verdade, a palavra foi "ressemantizada", negada e mascarada. Usamos o
termo morte para intensificar os sentimentos (morrendo de fome, morrendo
de saudade), mas não para definir o que
ela realmente representa. Então dizemos
"ele descansou", "foi para o céu", "não está
mais conosco'", diz o antropólogo.
Afastar a possibilidade da perda é uma
forma de proteção encontrada pelo homem para não fazer contato com o sofrimento. "Somos mal preparados para
perder. Ilude-se quem pensa que dá conta de tudo", diz Glaucia Rezende Tavares,
psicóloga e fundadora do API (Apoio a
Perdas Irreparáveis). A necessidade de
expressar o que socialmente é rejeitado, a
morte, motivou a psicóloga e seu marido,
o pediatra Eduardo Carlos Tavares, a
criar o grupo de apoio formado por casais que perderam filhos.
Preparo da vida e da morte
"A
morte é a única coisa certa na nossa vida,
no entanto ninguém está preparado para
ela", diz a professora Juliana Araújo, 25,
num misto de mágoa e revolta pela morte
da mãe, ocorrida há quatro meses. Mas é
possível preparar-se para a morte dos outros ou para a própria morte?
Para Bel Cesar, psicóloga e estudiosa do
processo da morte segundo o budismo tibetano e que faz atendimento de pacientes que enfrentam o processo da morte,
"não se separa o preparo da vida do preparo da morte. Viver as mudanças de
uma maneira positiva, com auto-responsabilidade, automoralidade, já é o seu
preparo para lidar com a sua morte e
com a dos outros", diz.
A psicóloga e coordenadora do Lelu
(Laboratório de Estudos e Intervenções
sobre o Luto), Maria Helena Pereira
Franco, também defende o entendimento e a assimilação de pequenas "mortes"
vividas diariamente por todos como uma
forma de preparação. Um projeto que
não deu certo, o emprego perdido, o casamento que acabou ou a reprovação no
vestibular são exemplos de mortes simbólicas. "Trabalhar com essa experiência
negativa, que causa dor, traz crescimento
e é uma maneira de entender o cotidiano,
de tocar a vida e avaliar o que é e como
enfrentar a morte", diz Maria Helena.
As crenças religiosas ou filosofias de vida podem ajudar e muito na preparação
e no enfrentamento mais tranquilo de
uma perda (leia nas págs. 10 e 11 o significado da morte para algumas religiões).
Em "Morrer não se Improvisa" (ed.
Gaia), que Bel Cesar acaba de lançar, ela
sustenta que a certeza de uma continuidade após a morte, defendida pelo budismo, ajuda as pessoas a lidarem com o
"niilismo de nossa cultura materialista,
em que o abstrato e o invisível não são reconhecidos". Mas ela também alerta para
o risco de cair no extremo e passar a entender a morte de uma forma leve demais. Dessa forma, "também estaremos
escondendo nosso medo de encará-la".
"O melhor preparo para a morte é viver
bem a vida. É como calibrar o farol do
carro. Curto para não cair nos buracos e
longo para ver as curvas. Lide com a vida
no dia-a-dia, mas saiba que existe essa
projeção (a morte) para o futuro", diz
Gláucia.
Para a antroposofia, quando uma pessoa termina o que tinha que fazer na terra, ela vai embora. "Acredito que, a cada
relacionamento, trocamos também algo
de nossa alma com a outra pessoa -e vice-versa. Damos e recebemos constantemente. Quando a morte chega a um de
nós, é porque já fizemos todas as trocas
anímicas que tínhamos para fazer nesta
vida. Quando temos essa compreensão,
já não sentimos mais "perder" uma pessoa quando ela morre. Porque o que essa
pessoa tinha para nos dar já é nosso. Então ela estará sempre conosco e jamais irá
deixar-nos realmente. Só no dia da nossa
morte", escreveu o clínico-geral e pediatra antroposófico Luiz Fernando de Barros Carvalho no livro "Morrer Não se Improvisa".
Talvez valesse a pena aderir aos ensinamentos do ateniense Epicuro que, já no
século 3 a.C., diz Cortella, não via nenhuma relação do homem com a morte e não
a temia porque nunca iria encontrá-la:
"Enquanto sou, a morte não é; e desde
que ela seja, não sou mais".
Um outro lema bom para se guiar na
vida é de Guimarães Rosa, expresso em
"Grande Sertão: Veredas": "O importante não é chegar nem partir, é a travessia".
ONDE
Lelu (Laboratório de Estudos
e Intervenções
sobre o Luto):
rua Monte Alegre, 961, Perdizes, São Paulo,
tel. 0/xx/ 11/
3670-8040
API (Apoio a
Perdas Irreparáveis): tel. 0/
xx/ 31/3282-5645
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