São Paulo, quinta-feira, 08 de novembro de 2001
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A morte é mais uma das mudanças da vida

JANAINA FIDALGO - DO FOLHA ONLINE

frase do escritor francês Albert Camus: "O homem é a única criatura que se recusa a ser o que é" (ou seja, mortal). A tal ponto, diz Cortella, que estipula um dia para lembrar os mortos, quando se deveria ter isso sempre em mente. "A morte é considerada algo que deve ser combatido a todo custo", diz a professora de psicologia da morte Maria Júlia Kovacs, do Instituto de Psicologia da USP, sobre o pensamento ocidental que assemelha a morte ao fracasso. E essa negação da morte só tem ganhado força. Segundo o antropólogo Acácio Almeida Santos, nos últimos anos, houve um processo pelo qual a morte, que já era um tabu, passou a ser ainda mais escondida. "Dentro do processo de afastamento, ao colocar a morte (o velório) para fora de casa, criamos recursos para fingir que ela não existe." A própria maneira com que o termo morte é empregado cotidianamente faz acreditar que a dificuldade de adaptação ao assunto foi superada. "Na verdade, a palavra foi "ressemantizada", negada e mascarada. Usamos o termo morte para intensificar os sentimentos (morrendo de fome, morrendo de saudade), mas não para definir o que ela realmente representa. Então dizemos "ele descansou", "foi para o céu", "não está mais conosco'", diz o antropólogo. Afastar a possibilidade da perda é uma forma de proteção encontrada pelo homem para não fazer contato com o sofrimento. "Somos mal preparados para perder. Ilude-se quem pensa que dá conta de tudo", diz Glaucia Rezende Tavares, psicóloga e fundadora do API (Apoio a Perdas Irreparáveis). A necessidade de expressar o que socialmente é rejeitado, a morte, motivou a psicóloga e seu marido, o pediatra Eduardo Carlos Tavares, a criar o grupo de apoio formado por casais que perderam filhos.

Preparo da vida e da morte
"A morte é a única coisa certa na nossa vida, no entanto ninguém está preparado para ela", diz a professora Juliana Araújo, 25, num misto de mágoa e revolta pela morte da mãe, ocorrida há quatro meses. Mas é possível preparar-se para a morte dos outros ou para a própria morte?
Para Bel Cesar, psicóloga e estudiosa do processo da morte segundo o budismo tibetano e que faz atendimento de pacientes que enfrentam o processo da morte, "não se separa o preparo da vida do preparo da morte. Viver as mudanças de uma maneira positiva, com auto-responsabilidade, automoralidade, já é o seu preparo para lidar com a sua morte e com a dos outros", diz.
A psicóloga e coordenadora do Lelu (Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto), Maria Helena Pereira Franco, também defende o entendimento e a assimilação de pequenas "mortes" vividas diariamente por todos como uma forma de preparação. Um projeto que não deu certo, o emprego perdido, o casamento que acabou ou a reprovação no vestibular são exemplos de mortes simbólicas. "Trabalhar com essa experiência negativa, que causa dor, traz crescimento e é uma maneira de entender o cotidiano, de tocar a vida e avaliar o que é e como enfrentar a morte", diz Maria Helena.
As crenças religiosas ou filosofias de vida podem ajudar e muito na preparação e no enfrentamento mais tranquilo de uma perda (leia nas págs. 10 e 11 o significado da morte para algumas religiões).
Em "Morrer não se Improvisa" (ed. Gaia), que Bel Cesar acaba de lançar, ela sustenta que a certeza de uma continuidade após a morte, defendida pelo budismo, ajuda as pessoas a lidarem com o "niilismo de nossa cultura materialista, em que o abstrato e o invisível não são reconhecidos". Mas ela também alerta para o risco de cair no extremo e passar a entender a morte de uma forma leve demais. Dessa forma, "também estaremos escondendo nosso medo de encará-la".
"O melhor preparo para a morte é viver bem a vida. É como calibrar o farol do carro. Curto para não cair nos buracos e longo para ver as curvas. Lide com a vida no dia-a-dia, mas saiba que existe essa projeção (a morte) para o futuro", diz Gláucia.
Para a antroposofia, quando uma pessoa termina o que tinha que fazer na terra, ela vai embora. "Acredito que, a cada relacionamento, trocamos também algo de nossa alma com a outra pessoa -e vice-versa. Damos e recebemos constantemente. Quando a morte chega a um de nós, é porque já fizemos todas as trocas anímicas que tínhamos para fazer nesta vida. Quando temos essa compreensão, já não sentimos mais "perder" uma pessoa quando ela morre. Porque o que essa pessoa tinha para nos dar já é nosso. Então ela estará sempre conosco e jamais irá deixar-nos realmente. Só no dia da nossa morte", escreveu o clínico-geral e pediatra antroposófico Luiz Fernando de Barros Carvalho no livro "Morrer Não se Improvisa".
Talvez valesse a pena aderir aos ensinamentos do ateniense Epicuro que, já no século 3 a.C., diz Cortella, não via nenhuma relação do homem com a morte e não a temia porque nunca iria encontrá-la: "Enquanto sou, a morte não é; e desde que ela seja, não sou mais".
Um outro lema bom para se guiar na vida é de Guimarães Rosa, expresso em "Grande Sertão: Veredas": "O importante não é chegar nem partir, é a travessia".

ONDE
Lelu (Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto): rua Monte Alegre, 961, Perdizes, São Paulo, tel. 0/xx/ 11/ 3670-8040
API (Apoio a Perdas Irreparáveis): tel. 0/ xx/ 31/3282-5645

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