São Paulo, quinta-feira, 08 de novembro de 2007
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Rosely Sayão

Iniciação adolescente

Ana (nome fictício) é uma garota de 16 anos que, como outros jovens, lê meus textos na internet. De início, fiquei curiosa. Afinal, são textos dirigidos a adultos, principalmente pais, para provocar reflexão sobre a prática educativa. Lendo os comentários que deixam em meu blog, percebo que eles buscam interlocutores maduros para conversar a respeito de suas aflições e, principalmente, do relacionamento com os pais e os estudos. Certa vez, li num texto de Françoise Dolto, psicanalista francesa que se dedicou ao estudo da saúde mental de crianças e jovens, que eles precisam conversar com adultos que não sejam seus cúmplices nem seus juízes -e penso que eles sentem falta desse tipo de interlocução.
Ana diz, em relação aos pais, que se sente aprisionada em uma gaiola invisível e que tem um conflito: viver sua própria vida, de acordo com o que pensa e é, ou agradar aos pais e viver e ser como eles gostariam. É na adolescência que os filhos nascem para o mundo adulto, quando entram num tipo de vida cheia de mistérios, contradições, crueldades e injustiças, mas também com muitas seduções e promessas. E é na família que eles ensaiam seus primeiros passos.
Nessa iniciação eles buscam encontrar o seu lugar, e isso muitas vezes significa recusar o que os pais gostariam para eles e fazer oposição. Mas não tem sido fácil viver esses conflitos na família contemporânea. A gaiola invisível de que Ana fala pode ser o amor dos pais, manifestado de maneira inusitada. Como o vínculo entre pais e filhos é o único que, no momento, dá garantia de resistir até que a morte os separe, parece que os adultos estão apostando todas as suas fichas nele.
Os pais querem o melhor para os filhos, mas idealizam tanto que têm dificuldades para enxergar quem, de fato, os filhos são. Características deles são transformadas em defeitos, anseios são considerados inadequados, busca de privacidade é entendida como afastamento. Permitir que os filhos se afirmem como são sem abdicar dos valores familiares -pelo menos enquanto vivem no mesmo ambiente-, respeitar e se fazer respeitar, falar e ouvir com discernimento e tentar manter a relação comunitária na família são posições muitas vezes difíceis para os pais, mas ajudam o jovem a se situar no grupo familiar e fora dele também.
Os jovens -como Ana- têm reclamado da chantagem emocional dos pais. Nem sempre eles se dão conta do que fazem, já que, em geral, ela se expressa com sutilezas e é marcada por atitudes amorosas e boas intenções. Mas é paralisante para os jovens, que se sentem responsáveis pelo bem-estar ou mal-estar dos pais e enfrentam com maiores dificuldades o compromisso consigo mesmos. Os pais precisam ser realistas: o destino dos filhos é viver a própria vida, e a adolescência é a prova material de que tal processo já está em curso.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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