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COMPORTAMENTO
10 pecados da terapia
Especialistas comentam lista que inclui os comportamentos que todo psicólogo ou analista deveria evitar, já que podem atrapalhar o processo terapêutico
FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
A dona de casa Elisandra
Bonfim, 28, fez terapia durante
12 anos. Teve duas psicólogas,
chegou a ter sessões todos os
dias da semana e gostava do
processo. Mas diz que, com a
última delas, que a atendeu por
cinco anos, nunca teve coragem de ir para o divã.
Tinha medo de que a terapeuta dormisse, pois ela bocejava com frequência. "Acho que
ela estava cansada naquela
época, mas eu ficava muito incomodada com isso, pois acontecia em quase toda sessão.
Cheguei a falar com ela, mas
nada mudou", conta.
Outro problema era o fato de
a profissional olhar demais para o relógio. "Sei que não pode
passar da hora, mas eu ficava irritada com isso. Às vezes eu estava contando alguma coisa, tinha vários sentimentos envolvidos ali", lembra.
Nem por isso a terapeuta era
pontual, diz Elisandra. Uma
vez, chegou quando faltavam só
dez minutos para o fim da sessão -foi preciso remarcar o encontro e voltar outro dia. "Ficava ansiosa, na expectativa. Tudo o que tinha planejado falar
sumia da minha mente."
As atitudes descritas por Elisandra são algumas das citadas
em uma lista que traz 12 maus
hábitos que todo terapeuta deveria evitar. O autor também é
psicólogo: o americano John
Grohol, criador do portal Psych
Central (www.psychcentral.com), acessado mensalmente por 800 mil pessoas e
eleito um dos 50 melhores de
2008 pela revista "Time".
Segundo Grohol, a relação
entre terapeuta e cliente é única: pode ser mais íntima do que
o mais íntimo dos relacionamentos, mas, paradoxalmente,
exige uma distância profissional. "Os terapeutas são tão humanos quanto seus pacientes e
possuem as mesmas fobias.
Eles têm maus hábitos, como
todos nós temos, mas alguns
deles podem realmente interferir no processo terapêutico",
escreveu.
A Folha selecionou dez comportamentos citados por Grohol e pediu a especialistas brasileiros que os comentassem.
Muitos deles não são um problema quando ocorrem isoladamente, mas podem atrapalhar a terapia quando se tornam um hábito.
Se eles passam a incomodar
o paciente, a recomendação é
ser sincero. "O paciente tem o
direito de expressar as necessidades dele", diz a psicóloga Regina Wielenska, supervisora de
terapia comportamental do
curso de terapia comportamental e cognitiva do Hospital
Universitário da USP (Universidade de São Paulo).
Wielenska lembra, porém,
que algumas pessoas vão para a
terapia justamente por terem
dificuldade de se expressar.
"É o pior dos mundos quando o terapeuta tem atitudes
inadequadas e o cliente não
consegue se proteger delas. O
melhor é quando ele se sente
em condições de comunicar
quando não concorda com alguma coisa", afirma.
1
Comer na frente do paciente
Esporadicamente, no caso de
uma sessão extra pedida pelo
paciente e marcada no horário
de uma refeição, por exemplo, a
atitude é aceitável, afirma o psicólogo Roberto Banaco, professor titular da PUC-SP.
"É melhor oferecer apoio ao
cliente comendo do que negar
esse apoio por falta de horário",
diz Banaco.
Mas necessidades pessoais
como essa deveriam acontecer
em outro contexto. "Comer na
sessão mostra desrespeito pelo
paciente", diz Wielenska.
O terapeuta da estudante Denise Thornberg, 22, transformou isso num hábito. Nas sessões, consumia Coca-Cola light
e confeitos de chocolate. "Ele
estava sempre com uma garrafinha de Coca na mão. Eu não
gostava", conta.
Para o médico e psicanalista
Sérgio Cyrino, filiado à Federação Brasileira de Psicanálise,
isso não deve ocorrer jamais.
"O analista não deve comer,
oferecer ou aceitar comida."
2
Atender ao telefone
Emergências acontecem. O
terapeuta pode ter de atender
um paciente internado ou com
risco de suicídio, por exemplo.
Nesse caso, o mais aconselhável é avisar antecipadamente ao paciente que isso pode
acontecer e ser breve. "Se existir essa possibilidade, o terapeuta deveria dizer que, em caráter excepcional, pode ser necessário atender a uma ligação
urgente. Mas isso deve ser raro,
não pode se tornar um hábito",
afirma Wielenska.
Atender a ligações de outro
tipo é desaconselhável. "Imagine quando se interrompe um
comunicado [do paciente] de
intenso conteúdo emocional
bem no meio. A compreensão,
ao ser fragmentada, perde todo
o sentido. O paciente se sente
deixado em segundo plano. Como é que se conserta isso depois?", diz Cyrino.
3
Tomar notas em excesso
A figura do analista com um
bloquinho na mão, que aparece
em charges e filmes, é um falso
símbolo da psicanálise, diz
Cyrino. "Freud não anotava
durante as sessões porque isso
fragmenta a compreensão da
situação da análise. Quem interrompe para tomar notas
perde o fio da meada. O pensamento é muito mais rápido do
que a palavra escrita. E o paciente se sente perseguido."
Para Banaco, anotações,
quando ocorrem, podem ser
feitas rapidamente por meio de
palavras-chave, como lembretes para serem "recheados"
com conteúdos nos intervalos
entre sessões.
Denise Thornberg conta que
seu terapeuta escrevia tanto
que a incomodava. "Ele não me
olhava nos olhos." Para Wielenska, o terapeuta deve pedir
autorização para anotar e manter o contato com ele enquanto
faz isso. "Quem trabalha frente
a frente com alguém deve preservar o olhar e a atenção."
4
Atrasar-se para a sessão
O terapeuta pode ter que ficar mais tempo com um paciente, o que acarretará atrasos
nas sessões seguintes. Mas, de
novo, isso não deve ser hábito.
"Quando o profissional estender a sessão desse cliente, ele
saberá que os atrasos devem-se
ao acolhimento para quem precisa, em contraposição à regra
fria de que a sessão dura "X" minutos", diz Banaco. Ele acredita
que, quando a demora é grande,
o terapeuta deve dar satisfação
a quem aguarda.
Para Cyrino, o atraso é muito
comprometedor. "O analista
deve sempre aguardar o paciente, para que ele tenha uma
sensação de constância dentro
da instabilidade afetiva que o
traz ao tratamento. Como interpretar atrasos constantes de
um paciente, que podem ter
mil acepções, se o analista também se atrasa?", questiona.
5
Ser pouco acessível
Segundo os especialistas, deve haver um meio-termo em
relação a esse item. Por um lado, não é recomendável que o
cliente desenvolva uma extrema dependência do terapeuta.
"Um paciente carente pode
querer estar ligado 24 horas ao
analista, como se fosse um bebê
em simbiose com a mãe", compara Cyrino.
Por outro lado, estar inteiramente fora do alcance, especialmente em situações graves,
não é aconselhável. "O terapeuta não pode ser impossível nem
dar a impressão de disponibilidade total, como se fosse só do
paciente -o que é um desejo
frequente e compreensível",
diz o psicanalista.
De acordo com Wielenska,
cada terapeuta tem suas preferências em relação a esse assunto. "Alguns liberam celular
e e-mail, outros autorizam o
cliente a deixar recado. Eles devem colocar esses limites assim
que começam a atender uma
pessoa", afirma.
6
Olhar demais para o relógio
O terapeuta precisa controlar o tempo. Mas olhar demais
para o relógio pode dar a impressão de que ele tem pressa
para terminar a consulta.
Denise Thornberg trocou o
terapeuta que tomava refrigerante por outra e está gostando.
Mas diz que a atual olha demais
para o relógio. "Enquanto eu falo, ela fica de olho para ver
quando a sessão vai acabar. Isso
desvia minha atenção. Penso:
"Será que estou falando muita
coisa sem sentido?"."
Segundo Cyrino, com a experiência, o terapeuta ganha uma
noção de tempo automática.
"Mas ele não é máquina. Um
recurso é ter um relógio num
lugar discreto e consultá-lo
sem caráter ostensivo." Já se isso ocorrer com um paciente específico, o terapeuta deve se
perguntar o que está acontecendo na relação com ele.
7
Bocejar demais
Bocejar não é o problema: como qualquer pessoa, o terapeuta pode estar cansado em um
determinado dia. A questão é
quando a atitude se torna um
hábito, que costuma ser interpretado pelo paciente como falta de interesse.
Mas, se o terapeuta não encontrar explicação para o sono
e ele ocorrer sempre com um
paciente específico, esse fato
pode se tornar uma informação
importante na terapia. "O
cliente pode ter um padrão de
comportamento que gera tédio
também fora do consultório",
diz Regina Wielenska. "Mas essa atitude [bocejar] deve ser
contida, pois a terapia requer
foco e concentração."
Já dormir é tido como inadmissível. "Se o terapeuta percebe que não suporta o sono, deve
suspender a sessão", diz Roberto Banaco.
8
Contato físico excessivo
No Brasil, costuma ser aceito
um maior contato físico ao
cumprimentar alguém. "Na
nossa cultura, é normal dar um
beijinho ou um ligeiro abraço.
O terapeuta pode fazer isso
com leveza e rapidez, sem tom
erótico", diz Wielenska.
Mas deve haver limites. "Por
ser uma relação facilmente
confundida com uma relação
afetiva, um contato físico exacerbado pode atingir fragilidades dos clientes. Trata-se de
um abuso da relação desigual
que se instala no contrato terapêutico: o cliente tem problemas e o terapeuta tem soluções", afirma Banaco.
Segundo Cyrino, muitas terapias psicológicas usam o contato físico no tratamento, mas
não a psicanálise. "Para essa
corrente, o excessivo contato
físico favorece a dependência
emocional do paciente, dificultando seu crescimento." Vale
lembrar que o contato sexual
entre terapeuta e cliente não é
adequado em nenhum caso.
9
Falar demais sobre si mesmo
A sessão é do cliente, e não do
terapeuta. "No entanto, temos
bagagem, história de vida e, em
situações específicas, ela pode
ser usada em benefício da terapia", diz Wielenska.
Mas, se o terapeuta sente falta de amigos, não deve buscá-los nos clientes. "O analista pode estar carente, pois é de carne
e osso. Nesse caso, deve redobrar a atenção para não misturar sua vida à do paciente. Muitos gostariam de ser amigos do
analista, mas isso desvirtua o
foco da terapia", diz Cyrino.
A chave é ver se há propósito
terapêutico. "Qualquer fala sobre si mesmo que não tenha um
propósito terapêutico é uma fala em demasia", diz Banaco.
Segundo ele, se o paciente
tem o terapeuta como modelo e
segue seus conselhos cegamente ou o imita, expor a vida pessoal é ainda mais danoso.
10
Vestir-se inadequadamente
Como qualquer pessoa, o terapeuta tem seu estilo e não
precisa abrir mão dele no ambiente profissional. "Atendemos surfistas, publicitários,
executivos. Não podemos ser
camaleões para nos ajustarmos
ao estilo de cada cliente. O terapeuta só não pode estar vestido
de maneira profundamente
chamativa, vulgar, suja ou descuidada. O resto é uma questão
pessoal", diz Wielenska.
De fato, há limites. "Deixar à
vista longas extensões de pele
não é desejável: bermudas, camisas abertas, decotes pronunciados ou saias tão curtas que
mostrem a roupa de baixo são
absolutamente inapropriados",
lista Banaco.
Para Cyrino, o foco não deve
ser o terapeuta, inclusive no
quesito vestimenta. "Não é necessário vir de batina, mas o
oposto faz com que o foco de
atenção se desvie do paciente
para o analista. E é o paciente
que veio mostrar seus conteúdos", diz Cyrino.
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