São Paulo, quinta-feira, 09 de outubro de 2008
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OUTRAS IDÉIAS

Wilson Jacob Filho

Responsabilidades


[...] ESSAS SITUAÇÕES MOSTRAM UMA NOVA FORMA DE ATUAÇÃO SOCIAL DE QUEM ENVELHECE, DECORRENTE DE ASPIRAÇÕES QUE PRECISAM SER MAIS BEM ACOLHIDAS

Uma octogenária contou-me um fato de dias atrás. Cansada de ficar por mais de uma hora na fila para comprar ingressos, assumiu sua longevidade e aproximou-se da bilheteria, justificando-se: "Desculpem-me, mas, como idosa, tenho prioridade na compra".
Imediatamente, em meio ao burburinho, uma voz anônima: "Essa terceira idade tinha mesmo é que ficar em casa!".
Calmamente, conferiu seu troco, olhou para o grupo e, em voz convicta, concluiu: "Calma, meus queridos, com boa vontade vocês também chegarão aonde cheguei". Um silêncio respeitoso permitiu ouvir seus passos em direção ao teatro.
Esse é um bom exemplo de situações cada vez mais freqüentes, nas quais, em vez de esperar pela condescendência dos mais jovens, o idoso reconhece seus direitos e os reivindica explicitamente.
Paradoxalmente, porém, muitos me responderam com surpresa sobre sua intenção de voto: "Depois dos 70 anos, não sou mais obrigado a votar!".
A participação eleitoral é um dos bons exemplos desse novo paradigma: em Vitória da Conquista, uma candidata à vereadora com 99 anos comprovados (embora afirme já ter completado 104) disputou com outros candidatos bem mais jovens, entre os quais seu filho. Paralelamente, entre os 29 milhões de eleitores de São Paulo, mais de 6% têm 70 anos ou mais, o que resulta em quase dois milhões de votos. Se bem utilizados, poderiam escolher os candidatos efetivamente comprometidos com ações eficazes para quem quer envelhecer com qualidade de vida.
Outra situação exemplar é a doação de sangue. Essa questão me incomodou quando, anos atrás, fui veementemente questionado por uma cliente que fora impedida de fazê-lo por ter mais de 60 anos. Numa combinação de ira e indignação, perguntou como era possível que fosse tão saudável, como eu afirmava a cada consulta, e, ao mesmo tempo, não pudesse doar sangue para o filho.
Voltamos à recepção do banco de sangue e descobrimos que o impedimento não tem bases científicas nem legais. Há apenas uma recomendação do Ministério da Saúde para que os doadores com 60 anos ou mais portem uma autorização médica. Redigi ali mesmo o documento que lhe garantiu o direito de participar efetivamente do tratamento do seu filho.
Essas situações mostram uma nova forma de atuação social de quem envelhece, decorrente de aspirações que precisam ser mais bem acolhidas pela comunidade, que deverá criar condições favoráveis para a sua implementação. Muitos idosos reclamaram das dificuldades para chegar à sua seção eleitoral no último domingo.
Vivemos, pois, um momento histórico na relação entre direitos adquiridos e as suas conseqüentes responsabilidades. Se realmente desejamos a progressiva inclusão do idoso na comunidade, não podemos aceitar critérios exclusivamente etários que limitem a capacidade de exercer plenamente a sua cidadania.


WILSON JACOB FILHO , professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)

wiljac@usp.br


Leia na próxima semana a coluna de Michael Kepp


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