São Paulo, quinta-feira, 09 de outubro de 2008
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ROSELY SAYÃO

Olho por olho

Uma notícia parece que puxa outra: nos últimos tempos, o tema da violência entre crianças e adolescentes, geralmente ligados entre si pela escola, está em diversas reportagens. Agressões físicas com conseqüências sérias entre grupos ou de um grupo contra um aluno e intimidações das mais variadas estão em maior evidência. E não importa a idade das crianças, tampouco a classe social a que pertencem: a violência está presente em todos os segmentos.
Tal fato exige que foquemos nossa atenção, em primeiro lugar, no mundo adulto. Devemos resistir à tentação de demonizar as gerações mais novas. Se elas se relacionam de tal maneira é porque, primeiramente, vivem em uma sociedade bastante tolerante com a violência e que até a estimula.
Um exemplo: na prática, a maioria dos pais tem boa intenção e ensina aos filhos que não devem fazer uso da violência de nenhum tipo. A não ser, é claro, se forem agredidos. A orientação dada, nesses casos, costuma ser que reajam com violência. Desse modo, o ato violento reativo é incentivado. Mas violência é violência, ativa ou reativa, e sabemos que gera mais violência ainda.
Do mesmo modo, a escola também faz diferença entre as duas modalidades: alunos que praticam um ato violento em primeiro lugar costumam ser penalizados mais duramente do que os que reagem com violência. Como resultado, crianças e jovens criam a idéia de que quem agride é corajoso e quem não revida é covarde.
Parece que esse fenômeno de disseminação de relacionamentos violentos entre os mais novos tem como principal causa a ausência de relações reais entre os adultos e eles. Em nome da liberdade das crianças, de sua autonomia e do exercício de sua criatividade, entre outras coisas, nos retiramos de seu mundo e permitimos a construção de uma "república de crianças e de jovens".
O que não consideramos é que, na ausência da autoridade dos adultos, eles ficam submetidos à ditadura de seus pares ou do grupo em que convivem.
E quem conhece crianças e adolescentes sabe que eles são muito mais tirânicos e rígidos do que os adultos. Eles não suportam as diferenças se não aprendem a conviver com elas, por isso excluem e intimidam; seguem a lei do mais forte, por isso agridem; querem de qualquer maneira submeter seus pares a um único ponto de vista. Ficam, portanto -como refere Hannah Arendt-, submetidos à tirania da maioria.
Muitos atos violentos praticados são aceitos como "coisa de criança ou de adolescente".
Claro que desavenças sempre existirão, mas é preciso diferenciar a experimentação para aprender a conviver em grupo das relações baseadas em violência descontrolada. E é bom ressaltar que todas as crianças, principalmente na escola, participam desse tipo de relação: tanto as que estão envolvidas diretamente em situações de violência quanto as que observam. Estas últimas também são atingidas diretamente.
Toda essa violência nas relações entre os mais novos talvez seja apenas a maneira que eles têm para mostrar que precisam da autoridade dos adultos para não ficar à mercê de seus próprios caprichos e impulsos e os dos outros.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

roselysayao@folhasp.com.br

blogdaroselysayao.blog.uol.com.br



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