São Paulo, quinta-feira, 10 de janeiro de 2008 |
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Outras idéias - Michael Kepp Me desculpa, pô!
Desculpas, não importa o quão sinceras ou
repetidas, não satisfazem todo mundo.
Dizer "me desculpe" nem sempre salva uma amizade estraçalhada por acusações falsas e devastadoras. Um "me perdoa" do
marido para a grávida que ele
traiu pode nunca restaurar a
confiança dela ou diminuir sua
dor, mesmo que oferecido de
joelhos. Desculpas não vêm
com garantia. Então, o que fazer quando não funcionam?
Ficar frustrado pode tornar
piores os danos já causados.
Quando minha mulher parou de aceitar minhas desculpas por sempre gritar durante discussões, gritei ainda mais alto e pontuei meu "me perdoa" com um "pô!". E ela me deixou falando sozinho. Se eu quisesse discutir algo com ela, como me disse, eu teria de aprender a fazer isso de forma mais civilizada. E aprendi. As pessoas param de aceitar desculpas pelos mesmos erros porque o constante "me perdoa" acaba deixando de soar sincero. Além disso, vêem que continuar a aceitar as mesmas desculpas é um tipo de prêmio que condiciona e encoraja o infrator a não mudar seu comportamento. Pedir desculpas é mais fácil. A não ser que se sinta ofendido ou orgulhoso demais para se desculpar -ou ambos. Quando a afronta é mútua, todos os envolvidos podem sentir que merecem um pedido de desculpas. Mas um não pede até o outro pedir. Uma vez, fui convidado para jantar por uma pessoa que, ofendida por uma opinião política que, imprudentemente, expressei, levantou-se e gritou insultos na frente dos outros convidados, forçando-me a ir embora. Nós dois esperamos em vão que o outro se desculpasse primeiro. Nunca mais nos vimos. Alguns pedidos de desculpas, como os que vêm por e-mail, são impessoais demais. E há quem finja que não houve ofensa. É o caso do meu amigo que só esperou cinco minutos depois da hora do nosso encontro marcado em um bar antes de ir embora. Cheguei em cinco minutos e esperei uma hora por ele. Depois de saber de sua saída precipitada, disse: "Você me deve desculpas!". Ao que ele replicou: "Eu sinto muito que o nosso desencontro o tenha chateado assim". Quer dizer: "Sinto muito por sua reação, e não pelo que eu fiz para provocá-la". Desculpas podem ser políticas e consolar mesmo que não sejam sinceras. Eu me ofendo facilmente e digo à minha mulher -nas raras vezes em que me magoa- que se desculpe, mesmo quando acha desnecessário, mesmo que não venha do coração. Ela aceita meu conselho porque funciona. Nem toda retratação política é insincera. O candidato à presidência dos EUA John Edwards ofereceu um convincente "eu errei" por votar a favor da ação militar no Iraque. A recusa da candidata Hillary Clinton de se desculpar lembra a inabilidade patológica de Bush de admitir seus erros, incluindo invadir o Iraque. Por que os políticos acham que essa rigidez parece presidencial? A recusa em se desculpar mostra fraqueza de caráter. Admitir o erro ou a ofensa nos humaniza e traz paz interior. Um pedido de desculpas nem sempre consola quem o recebe. Mas permite a quem o pede ouvir a própria humildade. E esse som, por vezes, é nossa única salvação. MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record) www.michaelkepp.com.br Texto Anterior: Correio Próximo Texto: Perfil: Extraordinariamente comum Índice |
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