São Paulo, quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005
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Quatro dias isolado num círculo de pedras

DA REPORTAGEM LOCAL

Um dia inteiro sem comer nada. A atriz Clau Leporace, 23, achou que não fosse mais agüentar. Pediu ajuda e recebeu um pouco de cascas de pistache. Com isso, conseguiu ficar mais três dias dentro da gruta, sem colocar mais nada na boca.
Ela participava da vivência xamanística Vison Quest, que aconteceu no ano passado no topo de uma montanha de 2.200 m de altitude, no sul de Minas Gerais. Durante o retiro, a pessoa fica quatro dias sem comer, isolada em um círculo delimitado no chão com pedras. Cada retirado escolhe um lugar de onde não possa ver os outros.
Ao voltar da experiência, Clau Leporace resolveu desfazer a sociedade de sua empresa de ecoturismo e trabalhar como atriz, seu verdadeiro sonho. "Essa vivência é muito boa para definir suas direções", afirma ela, que resolveu repetir a experiência no Carnaval deste ano, acompanhada pela reportagem do Equilíbrio.
Após serpentear por 18 km numa estradinha de terra enlameada, chegar ao vale do Matutu já causa uma sensação de pleno recolhimento. O lugar fica em uma área de proteção ecológica com vegetação nativa da mata atlântica, próximo ao município de Aiuruoca. É ali que começa a vivência.
A primeira parada é a Casa de Hóspedes Patrimônio, encravada no alto de um morro no Matutu. É lá que o grupo de 20 pessoas vai descansar um dia inteiro e comer sua última refeição antes de subir a montanha.
No grupo, há de tudo: publicitário, artista, jornalista, funcionário público, delegada de polícia, arquiteto etc. Todos querendo pensar na vida por uns dias.
Aos 62 anos, a designer de jóias Maria Tereza Arditti, também estava passando pela experiência pela segunda vez. "Fiquei meio catatônica na primeira vez e tive crises de choro. Não tinha controle da minha vida. Eu sempre era jogada para lá e para cá. Depois percebi que era legal ficar sozinha, que sou uma boa companhia para mim mesma", diz a designer, que, mesmo debaixo de chuva, conseguiu subir a montanha pela segunda vez.
No final da tarde, depois de cinco horas de caminhada, o grupo alcançou o topo da montanha. Todos se recolheram em uma gruta, completamente encharcados e sujos de barro.
Depois de uma noite castigada pelo vento frio, o dia retorna seco, com um névoa que em instantes cobre e revela a paisagem. É hora de cada um escolher o seu canto para começar o retiro.
"O único bicho que vai te atacar são a sua mente inquietante e a sua impaciência", avisa o xamã Sthan Xanniã, que conduz a vivência.
A delegada de polícia e artista plástica Cassia Regina Silva, 35, resume a experiência em uma só palavra: desapego. "Vivemos o dia inteiro em função dos outros, focados em relacionamentos e situações. O que passamos aqui é muito forte, não dá para voltar do mesmo jeito", diz.(MD)


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