São Paulo, quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005
![]() |
![]() |
Texto Anterior | Índice
S.O.S. FAMÍLIA As instituições educadoras têm contribuído bastante para que crianças queiram tanto querer A voracidade das crianças
Quem convive de perto com
crianças percebe o quanto elas
estão vorazes. Elas querem isso,
aquilo e mais aquilo outro, tudo
ao mesmo tempo e agora -é
um querer sem fim, desgovernado e desmedido. E, vamos convir: não é nem um pouco fácil
fazer frente a essa questão, já que vivemos
num mundo que estimula cotidianamente esse querer.
É bem fácil localizar um "culpado" e jogar nele
toda a responsabilidade por essa característica
da criançada, não é? Pois a mídia (em especial
a televisão) é colocada nesse lugar por muitos
pais e professores. Os educadores diretos, que
são os principais responsáveis pela tarefa educativa, sentem o quanto é difícil fazer frente à,
em geral, competente função desse veículo de
comunicação que, na própria programação e
nas propagandas, colabora bastante para
manter e inaugurar vontades na criança e no
jovem. Aliás, isso não ocorre com eles apenas:
todos os adultos estão submetidos a essa pressão.
Não é incrível que pais e professores sintam-se
mais fracos que essa "poderosa mídia" -expressão usada por muitos deles- quando a
questão é influenciar crianças e jovens? Argumentar que a sedução e os recursos muito
mais fascinantes usados pela televisão são o
que encanta a criança só seria pertinente caso
televisão e educadores tivessem a mesma função. Não têm, pois a TV tem como função
principal o entretenimento enquanto educadores têm a responsabilidade da formação. Se
a televisão age bastante na formação da criançada é sinal de que família e escola têm falhado
em sua função. Podemos dizer que crianças e
jovens estão abandonados à própria sorte pelos educadores, pelo menos no que diz respeito a determinadas questões, como essa. Ocorre que as instituições educadoras não têm apenas falhado: elas têm contribuído bastante para que crianças queiram tanto querer. Aliás, já
perceberam que elas querem o querer acima
do objeto que aparentemente é o foco de sua
vontade? É simples constatar tal fato: basta observar o quanto a criança desfruta de determinado objeto ou atividade que tanto queria. O
envolvimento com o que conseguiu é efêmero, porque ela logo parte para um outro querer.
Como é que família e escola estimulam, mesmo sem intenção, a voracidade das crianças?
Tomemos um exemplo bem atual: a lista de
material escolar que as
famílias precisam providenciar no início do
ano letivo. Caso a extensão da lista e a
quantidade do material solicitado tivessem
relação com o aprendizado dos alunos, certamente a qualidade de
nosso ensino seria das
mais elevadas. É uma
profusão de papel, caderno, lápis preto e colorido, caneta e outros
materiais que nem podemos imaginar que
possam ser necessários
para que o aluno tenha
uma boa vida escolar.
Do jeito que a lista é
elaborada e apresentada, dá até para considerar que o material tem
papel decisivo no aprendizado dos alunos.
Não tem. Sua função é meramente de suporte,
ou seja, coadjuvante. Tudo o que a escola consegue, nessa primeira lição que dá aos seus
alunos, é estimular essa voracidade.
E ela não está sozinha nesse papel: como se
não bastasse a lista, os pais, nas livrarias e papelarias, aceitam os pedidos -muitas vezes
exigências- adicionais dos filhos. Não basta
uma caixa de lápis de cor: tem de ser de determinada marca, com a maior quantidade de
cores etc. E, de concessão em concessão, os
pais vão, tanto quanto a escola, alimentando a
gula dos filhos. E pensar que boa parte desse
material não vai sequer ser utilizado com gosto pelo alunos nem servir para auxiliar o esforço e/ou a concentração nos estudos.
Aprender a ser comedido, a ser capaz de resistir a tantos apelos de consumo supérfluo, a dosar o
querer com a necessidade
e/ou utilidade é tarefa difícil. Mas, se a criança tem
bons mestres nisso, certamente será capaz de experimentar essa possibilidade.
Mais tarde, quando puder
decidir por si, terá chance
de escolha. Nossa reflexão
é: que tipo de mestres temos sido para os mais novos nessa questão?
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha). roselys@uol.com.br Texto Anterior: Pergunte aqui: Sangramento Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |