São Paulo, quinta-feira, 11 de março de 2010
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ROSELY SAYÃO

Presente obrigatório


[...] POR QUE ALGUÉM IRIA SE PREOCUPAR COM O QUE DAR DE PRESENTE SE A PRÓPRIA PESSOA PODE ESCOLHER O QUE QUER?

A mãe de uma garota de cinco anos narrou uma situação que a deixou muito constrangida. Ela levou a filha à festa de aniversário de uma colega de escola. Ao saírem, a mãe da colega deu uma lembrancinha -essa moda pegou mesmo- para a menina como agradecimento por ela ter comparecido à comemoração. A filha olhou para o que recebeu e, rapidamente, disse: "Só isso?!".
Outra mãe, cujo filho tem quatro anos, contou uma história parecida: no Natal, uma amiga dela levou um presente para seu filho que, ao recebê-lo, jogou longe e começou a chorar dizendo que não era isso o que queria ganhar.
Para complementar, um caso que considerei absurdo. Um casal processou uma loja de presentes porque ela não apresentou aos convidados todos os itens que eles haviam escolhido para sua lista e, por causa disso, eles ficaram sem alguns objetos que queriam ganhar.
Os presentes de casamento, aniversário, Natal e outras comemorações em que temos o hábito de presentear tornaram-se mais importantes do que a data, do que as pessoas e seus vínculos, do que a vontade de mimar alguém e manifestar seu carinho e tudo o mais que envolvia o ato.
Presentes, como bem ilustram os casos citados, transformaram-se em obrigação, encomenda, em expectativa que não pode ser frustrada. Abdicamos da surpresa de receber ou de dar um presente, da sensação gostosa ou do desagrado que se tem ao descobrir o que ganhamos em nome da praticidade.
Afinal, dá trabalho, custa tempo procurar um presente que tenha algum significado para a pessoa que iremos presentear, não é mesmo? E, depois de tudo, ainda correr o risco de não agradar? Não queremos riscos nem tampouco compromisso.
Por isso surgiram as listas: de Natal, de casamento, de aniversário, de chá de bebê... E quem faz a festa, afinal, é o comércio, que inventou até o vale-presente. Por que alguém iria se preocupar com o que dar de presente se a própria pessoa pode escolher o que quer?
Do jeito que a coisa está, acho que ganhar presentes pode até se transformar em um meio de sobrevivência. Assisti a um filme, que nem era muito bom, mas cujo roteiro era exatamente esse: dois jovens que se conhecem decidem simular um casamento somente para ganhar presentes e ter, com isso, uma renda extra.
Os mais novos talvez nem conheçam o sentido original do presente. E, já que temos reclamado tanto do consumismo exagerado que ensinamos a eles e também da nossa falta de tempo para tudo -inclusive e principalmente para o convívio familiar e com os amigos-, pode ser essa a hora de começar a retirar o caráter utilitarista e impessoal do presente e dar a ele o valor afetivo que merece.
Uma atitude desse tipo gera consequências, é bom saber: dedicação, tempo e, acima de tudo, compromisso com as pessoas com quem temos e cultivamos um vínculo amoroso. E, ao contrário do que aprendemos a pensar, viver bem tem tudo a ver com esse tipo de presença, não é verdade?


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

roselysayao@uol.com.br

blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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