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São Paulo, quinta-feira, 11 de setembro de 2003
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s.o.s. família rosely sayão

Pais usam mediador para "dialogar" com filhos

Quando pais que se consideram comprometidos com o desenvolvimento dos estudos do filho querem saber um pouco mais sobre a quantas anda a vida escolar dele, o que costumam fazer? Procuram a escola para conversar a respeito do assunto. Lá, eles perguntam a professores e a coordenadores quais são os pontos fracos do filho e qual é o aproveitamento dele nas aulas, solicitam a opinião dos profissionais sobre deverem ou não tomar uma ou outra atitude na tentativa de melhorar o rendimento escolar e pedem, até mesmo, a indicação de algum profissional especializado quando chegam à conclusão de que essa é uma atitude necessária (ou de apoio) para o benefício do filho. Os pais querem colaborar, querem participar e se fazem presentes na escola. Mais do que isso: acreditam que têm esse direito.
Os profissionais do espaço escolar, por sua vez, tomam para si o dever de passar para os pais de seus alunos todas as informações que julgam importantes. Consideram essa uma atitude de sua responsabilidade, que não apenas visa ao atendimento dos pais mas tenta melhorar a vida de seu aluno.
Os pais mais preocupados em saber como o filho se porta na escola -se fica isolado ou se tem amigos, se é passivo ou se tem atitude ativa na busca de sua socialização-, além de contarem com as informações fornecidas pelos mestres, podem, em algumas escolas, observar diretamente o filho pelo recurso de câmeras conectadas à internet.
No meio da manhã ou da tarde, no trabalho, aparece uma vontade de ver o filho, de saber como ele está? Basta um clique e pronto! Aparece a imagem do espaço que o filho costuma frequentar. Ou, em outros casos, o boletim dele também, é claro.
Grupos de profissionais da investigação -os detetives particulares- também se têm oferecido para vigiar o filho de pais que querem saber detalhes do comportamento (hábitos, amizades e locais que ele frequenta). Um contato, um contrato e, dias depois, chega um relatório pormenorizado do que o filho faz ou não faz. Agora, até teste para checar uso de drogas a tecnologia oferece.
Isso nos faz pensar: o que está acontecendo com o relacionamento entre pais e filhos? Em todos os casos citados, há sempre a necessidade de um intermediário para que os pais cheguem mais perto da vida real dos filhos. Vamos convir: isso é bem esquisito já que a interação com o filho é a maneira mais adequada, próxima e segura de saber como agir com ele, não é verdade?
E o bom e velho diálogo, talvez o único quesito que apresenta consenso entre profissionais de diversas áreas e diferente formação e postura a respeito da educação de filhos, para onde foi? Para o espaço, pelo jeito, já que o universo dos pais e o dos filhos não se comunicam mais, caminham em paralelo.
Mas os pais não podem se enganar: ter cada vez mais informações a respeito de seu filho, informações essas derivadas de terceiros ou de recursos tecnológicos, pouco ou quase nada pode contribuir para sua responsabilidade de educar. Por quê? Principalmente porque, sempre que é preciso um mediador para saber do filho, os pais já se afastam um pouco mais dele e de sua tarefa de educar para que ele aprenda a se cuidar, a se proteger, a viver com autonomia e responsabilidade, a exercer o seu direito de fazer escolhas e de se comprometer com elas.
Para saber como vai a vida escolar do filho, nada melhor que perguntar a ele próprio, que é quem pode dizer, de um jeito ou de outro, a quantas anda o seu relacionamento com a escola e com o conhecimento. E a vida social? De novo, basta demonstrar um interesse real, que fica mais fácil perceber se ele tem angústias ou inibições que travam suas interações com os pares. Será que ele usa drogas? Há modos bem mais próprios de pais do que contratar um detetive para ver o que talvez temam saber.
Esses recursos todos, em geral, ajudam a construir e a tornar sólido um muro que separa pais e filhos. E assim fica cada vez mais difícil -e pouco afetivo- o ato de educar.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail:
roselys@uol.com.br


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