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s.o.s família rosely sayão
Criança precisa conviver no ambiente escolar
Recentemente, saiu na imprensa uma reportagem falando do movimento crescente nos Estados Unidos de famílias que preferem ensinar as disciplinas do conhecimento
aos filhos em casa. Essa tendência, chamada
de "homeschooling", provocou a curiosidade de muitos pais do Brasil. Muitos enviaram
correspondência solicitando um comentário
sobre o tema, já que chegaram a pensar em
praticar o mesmo com seus filhos. A primeira
questão que os pais precisam saber é que a legislação brasileira, diferentemente da norte-americana, não abre muitas brechas a essa
possibilidade. Vamos lembrar apenas o artigo
55 da Constituição Federal: "Os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus
filhos ou pupilos na rede regular de ensino".
Mesmo assim, vale a pena pensar: o que será
que leva alguns pais a considerar boa a possibilidade de deixar os filhos fora da escola? Os
defeitos e as deficiências da escola atual? A segurança dos filhos? O controle do aprendizado deles? A escolha dos professores, do método de ensino etc.? Talvez esses e muitos outros
itens entrem em jogo, mas o que importa mesmo é considerar o que significa, para a criança,
deixar de frequentar uma escola.
Em primeiro lugar, a criança fica absolutamente submetida aos padrões da família e sem
chance de um aprendizado importante para a
vida: o da convivência com pessoas diferentes,
pelas quais ela não nutre afeto nenhum. Respeitar pais, irmãos e parentes pode parecer
duro no cotidiano, mas, no conflito ou no confronto, os vínculos afetivos contam e muito.
Mesmo sabendo que a violência familiar existe, sabemos também que ela é pequena frente
à que envolve pessoas que não se conhecem,
que não têm os mesmos amigos, que não são
parentes, que não fazem parte do mesmo grupo. Não é fácil mesmo respeitar uma pessoa
que não se conhece e que pensa ou age de modo muito diferente da referência de cada um.
Por isso a escola é tão importante: é lá que o
aluno tem a oportunidade de estabelecer relações impessoais justas e éticas. É lá que o aluno
aprende a respeitar e a se fazer respeitar sem
ter de usar a força; é lá que ele vive a experiência de se restringir como indivíduo para viver
bem coletivamente, isto é, como cidadão; é na
escola que ele tem a oportunidade de se relacionar com adultos que não têm sobre ele ascendência nenhuma a não ser a que diz respeito aos lugares sociais diferentes que ocupam.
Se a escola, hoje, não facilita toda essa aprendizagem, isso já é uma outra história.
Em segundo lugar, é na escola que a criança
tem a chance de passar a pensar com autonomia e independência, a ser crítica -e principalmente- com o que aprendeu com sua família. É, nos dias atuais, difícil para muitos
pais reconhecerem que os filhos precisarão
superá-los para ter vida própria. Mas é assim
que a vida funciona: os filhos recebem a orientação fundamental dos pais para conseguirem
ter uma referência na vida, uma direção. Mas
os rumos que vão trilhar, isso será escolha deles. E isso eles só poderão alcançar com responsabilidade e maturidade se tiverem acesso
organizado e reflexivo -o que se consegue
com o debate e a vivência- à diversidade de
opiniões, conceitos, posições, valores e modos
de vida que convivem em uma sociedade democrática e que estão mais bem representados fora da família.
Em terceiro lugar -e último apenas nesta
conversa-, é só na escola que a criança tem a
oportunidade de começar a perceber que o espaço privado em que vive a família é muito diferente do espaço público, em que vivem todos. No espaço comum, as regras de convívio
são diferentes, as normas existem para regular
o relacionamento, para proteger o coletivo das
individualidades e, portanto, para proteger
cada cidadão. Na escola, onde os adultos ocupam com responsabilidade o lugar de acompanhantes desse processo de iniciação, a
aprendizagem é muito mais efetiva.
A escola não tem levantado essas questões?
Então é melhor lutar para que ela ofereça essa
oportunidade, em vez de desistir dela.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail:
roselys@uol.com.br
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