São Paulo, quinta-feira, 12 de janeiro de 2006
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saúde

Especialistas se dividem sobre reconhecer ou não o impacto de algumas substâncias para a "nutrição cerebral"

Cérebro alimentado

TATIANA DINIZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Que a privação de uma alimentação adequada prejudica o desempenho da mente, já é razoavelmente sabido. A tese agora é que garantir a presença de certos nutrientes na dieta pode melhorar o desempenho cerebral, driblando quadros de estresse e depressão e até mesmo fomentando a inteligência.
Polêmica, a afirmação está dividindo especialistas das diversas áreas da medicina, que se posicionam contra ou a favor da idéia de ser possível adotar uma alimentação particularmente eficaz para o cérebro humano.
O tema é abordado no recém-lançado "Nutrição Cerebral" (ed. Objetiva, 232 págs., R$ 32,90). No livro, o médico especializado em medicina ortomolecular Helio Póvoa, o psiquiatra Juarez Callegaro e a nutricionista Luciana Alves abordam o funcionamento do organismo e da mente e sua relação com os hábitos alimentares, apontando uma lista com mais de 20 nutrientes com potencial atuação no cérebro. Batizadas de "smart nutrients" (nutrientes inteligentes), essas substâncias têm, segundo a publicação, a capacidade de melhorar a inteligência e de combater o envelhecimento, evitando o surgimento de doenças degenerativas e conduzindo a uma vida mais livre de sofrimento mental.


Para autores, certos nutrientes podem melhorar o desempenho cerebral, driblar quadros de estresse e depressão e até fomentar a inteligência

"Segundo a Organização Mundial da Saúde, a depressão aumenta 1% ao ano. De acordo com a Universidade de Southampton, na Inglaterra, as doenças mentais triplicaram em todos os continentes nas décadas de 1980 e 1990", contextualizam os autores no texto.
Para eles, a preocupação com a nutrição cerebral pode "desenvolver o cérebro e suas plenas capacidades, corrigir desvios de inteligência, preveni-los e aperfeiçoá-la."
"É um conceito recente, que está ganhando força com estudos sobre envelhecimento e degeneração cerebral. Hoje já sabemos que certas vitaminas inibem a glicação, que é o processo lesivo da proteína pela glicose. Assim, já é possível falar em uma postura alimentar preventiva à degeneração cerebral", comenta o médico Helion Póvoa, professor de patologia clínica da Escola Médica da Uni-Rio e um dos autores do livro "Nutrição Cerebral".
"Peixes e algas, entre outros alimentos, são inibidores de glicação e reduzem o risco de problemas cerebrais e do sistema nervoso. As vitaminas agem sinergicamente, e o melhor é obtê-las pela alimentação e não por suplementação", completa o autor.
Há quem questione. O endocrinologista José Marcondes, do Hospital das Clínicas de São Paulo, é um exemplo. "Não existe evidência científica de que um nutriente faça bem especificamente para o cérebro. A boa alimentação leva à saúde e à melhor atividade cerebral", comenta. "Crianças desnutridas têm baixo desempenho escolar. A desnutrição pode levar a deficiências na formação cerebral. Na idade adulta, entretanto, o cérebro já está formado."
O médico Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia, lembra que "o sistema de controle da fome, da saciedade e da termogênica sofre influência de nutrientes, de hormônios e de emoções". O especialista alerta para o risco das superdoses, que podem ocorrer quando o alimento natural é substituído ou complementado pelo consumo de suplementos encontrados nas farmácias. "Com a deficiência característica das dietas ocidentais, a suplementação vitamínica é relativamente bem-vinda. O problema está nas superdoses, que têm efeito oxidante, e não o contrário", diz.

SUPLEMENTAÇÃO
O italiano Andrea Bottoni, médico nutrólogo da Clínica de Terapia Nutricional Total do Hospital Santa Catarina, enfatiza que, embora dos pontos de vista bioquímico, metabólico e fisiológico existam evidentemente nutrientes que possam otimizar as funções cerebrais, não há motivo para perseguir a ingestão deles. A alimentação ideal é aquela em que come-se de tudo de maneira balanceada.

No estresse oxidativo, diante da invasão de hormônios corticóides, ocorre uma produção exagerada e perigosa de radicais livres no cérebro

"É importante não fazer apologia da suplementação. Não adianta tomar suplementos achando que vai alimentar o cérebro e se entupir de gordura na hora da refeição", afirma.
Ricardo Botticini Peres, endocrinologista do Hospital Israelista Albert Einstein, concorda. "O mesmo nutriente que é importante para o cérebro também o é para o coração, para os músculos ou para o intestino. Além disso, a quantidade dessas substâncias ["smart nutrientes'] que o organismo requer é pequena e pode ser facilmente reposta durante as refeições em uma alimentação saudável."

DEPRESSÃO
Um dos pontos defendidos pelo livro é a possibilidade de uma abordagem nutricional da depressão como alternativa ao tratamento medicamentoso.
Considerando dados como o que aponta que cerca de 1 milhão de crianças norte-americanas que tomam regularmente medicamentos para depressão, os autores observam que "cada vez mais pessoas têm apostado prematuramente em estratégias medicamentosas de cura para distúrbios da mente, sem dar ao organismo uma oportunidade de reversão do sofrimento com métodos menos agressivos."
"Aproximadamente 90% dos pacientes que tratam a depressão com remédios hoje poderiam ficar sem o medicamento caso combinassem terapia e ingestão de nutrientes adequados", afirma o psiquiatra Juarez Callegaro, um dos autores do livro.

ESTRESSE OXIDATIVO
Os autores abordam também o conceito de estresse oxidativo, que seria complementar ao de estresse biológico. Neste, a ênfase é na produção de hormônios corticóides que ocorre quando são ativados os mecanismo de defesa do organismo após a liberação de cargas excessivas de neurotransmissores como a noradrenalina, a adrenalina e a dopamina.
No estresse oxidativo, diante da invasão de hormônios corticóides, ocorre uma produção exagerada e perigosa de radicais livres no cérebro, ocasionando uma série de problemas como o declínio da inteligência, a depressão e o surgimento de distúrbios como a paranóia e a esquizofrenia.
O estresse oxidativo está, de acordo com o livro, por trás da desregulação dos circuitos do prazer e da dor, levando as pessoas a "desenvolver dificuldades de enxergar o lado bom da vida, como se suas memórias tivessem se tornado seletivas para experiências negativas do passado." Também de acordo com o livro, esse tipo de estresse pode até levar a desvios de personalidade.
"O desvio de personalidade provocado por privação de nutrientes pode se manifestar a qualquer hora da vida. Alguns ficam ansiosos, outros se tornam agressivos e há quem perca a capacidade de amar depois de anos consecutivos de alimentação inadequada", comenta Juarez Callegaro.
Além de substâncias que podem ser ingeridas com os alimentos, o livro aponta que a informação também pode ser considerada um nutriente cerebral de importância relevante e, inclusive, ter atuação igualmente preventiva ao surgimento de doenças degenerativas.
"A informação é um fator tão importante para o cérebro que, na fase final da vida, é o mais decisivo de todos. Quem conserva o hábito da leitura tem menos risco de apresentar alguma forma de demência senil", enfatizam os autores na publicação.
Já entre os nutrientes que podem ser consumidos regularmente com a adoção de uma boa alimentação a fim de potencializar a atividade cerebral, a Folha pediu à nutricionista Luciana Ayer, também autora de "Nutrição Cerebral", uma seleção dos dez essenciais. Conheça-os a seguir e veja em quais alimentos eles podem ser encontrados.


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