|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Neurociência - Suzana Herculano-Houzel
Adolescência é coisa do cérebro
Escolha um livro ao
acaso sobre o cérebro e, provavelmente, você lerá
que a maior parte das transformações cerebrais acontece durante os primeiros três
anos de vida -ou, com boa
vontade, nos primeiros dez.
Depois disso... caos: com o
cérebro supostamente pronto, a adolescência seria aquela fase da vida em que tudo
iria bem se apenas os hormônios não atrapalhassem.
Felizmente para os adolescentes e para quem convive
com eles, isso não pode mais
ser considerado verdade.
Longe de estar pronto, o cérebro adolescente passa por
um segundo longo período
de remodelagem e aprendizado, cujo resultado final é o
que todo pai anseia para seus
filhos: ele se torna independente, responsável e bem inserido socialmente.
As transformações cerebrais da adolescência começam no hipotálamo, que, ao
comandar a produção de
hormônios sexuais e tornar-se sensível a eles, permite ao
cérebro descobrir o sexo. Em
seguida vêm as alterações no
sistema de recompensa, que
sofre uma enorme baixa e
deixa de encontrar graça no
que antes dava prazer. O resultado é um conjunto de
marcas diagnósticas da adolescência: tédio, perda de interesse pelas brincadeiras da
infância, impaciência, preferência por novidades e um
gosto por riscos. O conjunto
é ótimo, pois nos faz abandonar os prazeres da infância e
querer sair de casa em busca
de outros horizontes. Senão,
quem abriria mão de casa,
comida e roupa lavada?
O único porém é que as
mudanças no córtex cerebral
necessárias para lidar de modo adulto com os novos impulsos adolescentes levam
cerca de dez anos para acontecer. Atenção, linguagem,
memória e raciocínio abstrato são processos que até são
rapidamente aprimorados e
postos à prova com o interesse súbito por política, filosofia e religião. Por outro lado,
a capacidade de se colocar no
lugar dos outros e de antecipar as conseqüências dos
próprios atos, bases para as
boas decisões e para a vida
em sociedade, só chegam ao
final da adolescência, à força
de mudanças no cérebro e de
muita experiência. Só o tempo não basta: tornar-se independente e responsável requer aprender a tomar boas
decisões, e isso só se aprende... tomando decisões.
Adolescentes, portanto,
fazem o que podem com o cérebro que têm -e é bom que
seja assim. Nosso dever é
ajudá-los oferecendo informações, alternativas e também o direito de errar de vez
em quando. Fico aqui torcendo para continuar pensando assim quando meus filhos virarem adolescentes...
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de
"O Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira &
Lent) e de "O Cérebro em Transformação"
(ed. Objetiva)
suzanahh@folhasp.com.br
Texto Anterior: As dicas dos melhores treinadores Próximo Texto: A criança real Índice
|