São Paulo, quinta-feira, 12 de abril de 2007
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Neurociência - Suzana Herculano-Houzel

Adolescência é coisa do cérebro

Escolha um livro ao acaso sobre o cérebro e, provavelmente, você lerá que a maior parte das transformações cerebrais acontece durante os primeiros três anos de vida -ou, com boa vontade, nos primeiros dez. Depois disso... caos: com o cérebro supostamente pronto, a adolescência seria aquela fase da vida em que tudo iria bem se apenas os hormônios não atrapalhassem. Felizmente para os adolescentes e para quem convive com eles, isso não pode mais ser considerado verdade.
Longe de estar pronto, o cérebro adolescente passa por um segundo longo período de remodelagem e aprendizado, cujo resultado final é o que todo pai anseia para seus filhos: ele se torna independente, responsável e bem inserido socialmente.
As transformações cerebrais da adolescência começam no hipotálamo, que, ao comandar a produção de hormônios sexuais e tornar-se sensível a eles, permite ao cérebro descobrir o sexo. Em seguida vêm as alterações no sistema de recompensa, que sofre uma enorme baixa e deixa de encontrar graça no que antes dava prazer. O resultado é um conjunto de marcas diagnósticas da adolescência: tédio, perda de interesse pelas brincadeiras da infância, impaciência, preferência por novidades e um gosto por riscos. O conjunto é ótimo, pois nos faz abandonar os prazeres da infância e querer sair de casa em busca de outros horizontes. Senão, quem abriria mão de casa, comida e roupa lavada?
O único porém é que as mudanças no córtex cerebral necessárias para lidar de modo adulto com os novos impulsos adolescentes levam cerca de dez anos para acontecer. Atenção, linguagem, memória e raciocínio abstrato são processos que até são rapidamente aprimorados e postos à prova com o interesse súbito por política, filosofia e religião. Por outro lado, a capacidade de se colocar no lugar dos outros e de antecipar as conseqüências dos próprios atos, bases para as boas decisões e para a vida em sociedade, só chegam ao final da adolescência, à força de mudanças no cérebro e de muita experiência. Só o tempo não basta: tornar-se independente e responsável requer aprender a tomar boas decisões, e isso só se aprende... tomando decisões.
Adolescentes, portanto, fazem o que podem com o cérebro que têm -e é bom que seja assim. Nosso dever é ajudá-los oferecendo informações, alternativas e também o direito de errar de vez em quando. Fico aqui torcendo para continuar pensando assim quando meus filhos virarem adolescentes...


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira & Lent) e de "O Cérebro em Transformação" (ed. Objetiva)

suzanahh@folhasp.com.br


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