São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 2005
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S.O.S. família

Rosely Sayão

Jogo de empurra-empurra

Na semana passada, uma notícia vinda dos EUA indignou muita gente. Uma criança de cinco anos foi algemada e retirada da sala de aula por três policiais. Motivo? Indisciplina na escola. A professora e a diretora pediram ajuda policial porque não conseguiram conter a crise da garota, que reagiu com a veemência típica dessa idade ao ser impedida de continuar fazendo o que queria.


Está na hora de parar com essa história de a escola responsabilizar alunos e pais pelos problemas que são seus e de pais se omitirem de seu trabalho


Nesta semana, uma reportagem da revista "Veja" trata de um tema interessante: a fobia escolar dos professores brasileiros. Qual a causa desse fenômeno? A indisciplina dos alunos no espaço escolar. E estamos falando de alunos de escolas privadas, filhos da classe média. Quantos ficarão indignados com essa matéria? Poucos, mas faltou muito pouco para o texto explicitar que o comportamento dos alunos hoje é caso de polícia.
Todos têm suas justificativas para explicar a violência, o descaso e o desrespeito na relação de crianças e jovens com seus professores. Os diretores e coordenadores afirmam que o problema são os pais, que terceirizam a educação de seus filhos. O argumento é o de que as famílias não têm tempo nem disponibilidade para a tarefa de educar. Isso significa que os filhos chegam à escola sem nenhuma civilidade, sem educação e sem saber respeitar a autoridade, o que inviabiliza a convivência respeitosa com os professores e leva ao quadro da indisciplina generalizada que testemunhamos.
Os professores responsabilizam os pais também e, principalmente, os diretores e coordenadores das escolas. Dizem que os chefes praticam a política de atender bem a freguesia e que isso significa não melindrar alunos, não exigir deles tudo o que podem fazer, não fazer valer as normas que adotam em seu trabalho etc. Mais: quando algum professor se arrisca a defender seu ofício, é interpelado por pais e coordenadores que querem evitar atitudes chamadas hoje de "autoritárias".
Os pais, por sua vez, adotaram o papel de proteger o filho de tudo o que possa desagradar, magoar, frustrar, provocar sofrimento ou angústia etc. Isso resulta em intervenções absolutamente inadequadas no espaço escolar que só têm uma utilidade: a de evidenciar que eles não confiam na escola nem delegam a ela seu papel. Não permitem que o filho aprenda a ser aluno.
E como traduzimos o resultado de tudo isso? Na desqualificação de crianças e jovens. Dizemos que eles não têm limites, que não se envolvem nem se responsabilizam pela vida, que não têm projetos, que são consumistas, vaidosos, individualistas, superficiais e exageradamente erotizados, que têm problemas de vários tipos. E dá-lhes tratamentos especializados, agendas superlotadas, vestibulares etc.
Em resumo: estamos responsabilizando essa geração pelo nosso fracasso. Eles estão pagando, e bem caro, a conta que é nossa.
No domingo passado, o canal pago GNT reapresentou um programa da TV inglesa em que dez garotas, de idades entre 10 e 12 anos, passaram cinco dias em uma casa sem adultos. O documentário mostrou exatamente o que acontece quando os adultos não se responsabilizam pelos mais novos: agressões, violência, desrespeito, destruição. Numa cena, uma garota que decidiu usar o recurso de apertar a campainha para sair da casa disse: "Eu pensei que essa experiência fosse ser muito legal, mas está sendo um pesadelo". Os pais, que acompanharam tudo por um monitor, ao final do período de confinamento perguntavam às filhas se elas tinham se divertido e se tinham sentido falta da família. Ora, ora...
É isso: o que tem acontecido nas escolas é um pesadelo para os alunos. O que eles pedem é a presença firme e competente dos professores. Em casa, precisam dos pais exercendo sua função. Como eles não têm o recurso da campainha para sair da cena, fazem barulho.
Já está na hora de parar com essa história de a escola responsabilizar alunos e pais pelos problemas que são seus e de pais se omitirem, de modo impotente, de seu trabalho.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br



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