São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 2008
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ROSELY SAYÃO

As contradições do casamento

A família mudou bastante nas últimas décadas e o casamento também. De fato, mudaram muito as relações amorosas entre pessoas unidas por laços de sangue ou por aliança.
No Dia dos Namorados, vale a pena pensar a respeito.
Descobri, num canal pago de TV, um programa chamado "Ou Eu ou o Cachorro". Aparentemente, o objetivo é mostrar que cães que infernizam a vida da família por não serem bem treinados podem mudar com adestramento de uma profissional que também orienta a família -mas o programa diz mais a respeito de como anda o relacionamento dos casais.
Maridos são expulsos da cama com mordidas do cão que não quer dividir sua dona, e mulheres são atacadas pelo cachorro assim que o marido sai.
Com variações sobre o tema, o que o programa mostra é a fragilidade das relações conjugais: até um cachorro pode interferir decisivamente na vida do casal.
Em tempos de ideais individualistas, vivemos uma contradição: priorizamos nossa autonomia, mas queremos compartilhar nossa vida com um outro.
Valorizamos o relacionamento conjugal porque, ao se tornar a base das relações íntimas entre pessoas da mesma geração, pode ser um antídoto para a solidão típica do nosso tempo. Podemos dizer que o casamento ganha importância cada vez maior na vida dos adultos.
O número de separações é grande, mas o de recasamentos também. O problema é que não sabemos muito bem como conduzir essa relação tão peculiar.
Em primeiro lugar, não temos mais um modelo a seguir: cada casal precisa construir seu modelo de casamento. E isso torna o relacionamento conjugal algo complexo, pois obriga a escolhas diárias e pessoais. Cada casamento é único, então.
Em segundo lugar, estabelecer relações íntimas em tempos de "reality shows" tornou-se um desafio. Nos EUA, duas publicações contam a história de dois casais com uma decisão em comum: praticar sexo diariamente por um período de tempo. O que ambos pretendiam e conseguiram era melhorar o casamento e a intimidade emocional. O romance está, então, dependente dos sentidos.
Em terceiro lugar, temos um inflacionamento da idéia de casamento. É exigência em demasia, pois, ao se unirem, as pessoas esperam encontrar realização sexual, afetiva, segurança, dedicação exclusiva, educação dos filhos de modo partilhado, segurança econômica etc.! Não é à toa que a união está sempre por um fio, ou melhor, embaraçada em muitos fios.
Por fim, dois conceitos que sempre foram fundamentais para o relacionamento -fidelidade e compromisso- colocam em risco os de individualidade e liberdade pessoal, tão caros hoje. Como superar situações tão complicadas?
Muitos casais têm encontrado soluções ousadas; outros têm sucumbido por não saberem como negociar conflitos.
Outros, ainda, estão sempre dispostos a dissolver o laço, já que é possível construir outro em seqüência: as uniões já nascem com a possibilidade de rompimento. O grande desafio atual talvez seja aprender a conciliar individualidade com interdependência.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

roselysayao@folhasp.com.br

blogdaroselysayao.blog.uol.com.br



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