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ROSELY SAYÃO
As contradições do casamento
A família mudou bastante nas últimas décadas e o casamento
também. De fato, mudaram muito as relações amorosas entre pessoas unidas por
laços de sangue ou por aliança.
No Dia dos Namorados, vale a
pena pensar a respeito.
Descobri, num canal pago de
TV, um programa chamado
"Ou Eu ou o Cachorro". Aparentemente, o objetivo é mostrar que cães que infernizam a
vida da família por não serem
bem treinados podem mudar
com adestramento de uma profissional que também orienta a
família -mas o programa diz
mais a respeito de como anda o
relacionamento dos casais.
Maridos são expulsos da cama com mordidas do cão que
não quer dividir sua dona, e
mulheres são atacadas pelo cachorro assim que o marido sai.
Com variações sobre o tema, o
que o programa mostra é a fragilidade das relações conjugais:
até um cachorro pode interferir
decisivamente na vida do casal.
Em tempos de ideais individualistas, vivemos uma contradição: priorizamos nossa autonomia, mas queremos compartilhar nossa vida com um outro.
Valorizamos o relacionamento
conjugal porque, ao se tornar a
base das relações íntimas entre
pessoas da mesma geração, pode ser um antídoto para a solidão típica do nosso tempo.
Podemos dizer que o casamento ganha importância cada
vez maior na vida dos adultos.
O número de separações é
grande, mas o de recasamentos
também. O problema é que não
sabemos muito bem como conduzir essa relação tão peculiar.
Em primeiro lugar, não temos mais um modelo a seguir:
cada casal precisa construir seu
modelo de casamento. E isso
torna o relacionamento conjugal algo complexo, pois obriga a
escolhas diárias e pessoais. Cada casamento é único, então.
Em segundo lugar, estabelecer relações íntimas em tempos
de "reality shows" tornou-se
um desafio. Nos EUA, duas publicações contam a história de
dois casais com uma decisão
em comum: praticar sexo diariamente por um período de
tempo. O que ambos pretendiam e conseguiram era melhorar o casamento e a intimidade
emocional. O romance está, então, dependente dos sentidos.
Em terceiro lugar, temos um
inflacionamento da idéia de casamento. É exigência em demasia, pois, ao se unirem, as pessoas esperam encontrar realização sexual, afetiva, segurança, dedicação exclusiva, educação dos filhos de modo partilhado, segurança econômica
etc.! Não é à toa que a união está
sempre por um fio, ou melhor,
embaraçada em muitos fios.
Por fim, dois conceitos que
sempre foram fundamentais
para o relacionamento -fidelidade e compromisso- colocam
em risco os de individualidade
e liberdade pessoal, tão caros
hoje. Como superar situações
tão complicadas?
Muitos casais têm encontrado soluções ousadas; outros
têm sucumbido por não saberem como negociar conflitos.
Outros, ainda, estão sempre
dispostos a dissolver o laço, já
que é possível construir outro
em seqüência: as uniões já nascem com a possibilidade de
rompimento. O grande desafio
atual talvez seja aprender a
conciliar individualidade com
interdependência.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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