São Paulo, quinta-feira, 13 de março de 2008
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neurociência - Suzana Herculano-Houzel

Cheiro de filho, cheiro de mãe

A tendendo a pedidos, levo meu filho de quatro anos para sua cama e fico lá deitada até que ele adormeça. Por mais que o banho seja recente, o menininho sua horrores, sobretudo ao adormecer, e logo tem a face e o pescoço encharcados. O sabonete não resiste e é rapidamente sobrepujado pelo cheiro natural do meu filho, que eu acho... absoluta e deliciosamente inebriante. Afundo meu nariz em seu cangotinho adormecido e penso que poderia ficar lá para sempre, desfrutando da sensação de conforto, paz e completude que o cheiro do meu filho suado a milímetros do meu nariz me dá. Passo na cama ao lado e constato que o cheiro da testa suada de minha filha tem igual efeito sobre mim.
O mesmo cheiro não funciona para todo mundo, é claro -e a idéia é justamente essa. O sistema que lida com cheiros no cérebro da mãe é modificado no parto, quando o bulbo olfatório aprende a dar atenção especial à combinação específica de moléculas desprendidas pelo filho. Como essas moléculas incluem peptídeos indicadores de nossa identidade genômica, o cheiro de uma criança pode ser considerado uma forma de análise genética feita pelo nariz da mãe, que identifica aquela criança como sua. O cérebro da criança faz o mesmo, aprendendo a responder de forma especial aos cheiros da mãe -e, assim, tem início no parto o romance mais forte que se conhece: a relação amorosa entre mãe e filho.
A informação é passada à amígdala do cérebro, que dá início a um conjunto todo especial de respostas fisiológicas e comportamentais que são a base dos efeitos sociais do cheiro de um filho. Parte desses efeitos sociais envolve a ativação do sistema de recompensa, que associa àquele cheiro particular uma sensação ímpar de prazer que, quando evocada por antecipação, serve como motivação para fazermos o necessário para estarmos na presença daquele cheiro de novo -ou seja, de nossos filhos.
O valor do cheiro das crianças para a formação de elos afetivos, porém, não é exclusivo às mães e pode ser desenvolvido também por quem não as deu à luz pessoalmente, mas se afeiçoa às crianças assim mesmo. Como parte de minhas investigações informais, ligo para meu pai e interrompo seu trabalho com uma pergunta meio insólita: o cheiro dos seus netos suados é para ele: a) neutro, b) maravilhoso ou c) fedido? Ele ri e responde na lata, enfático: "É absolutamente delicioso..."

SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro "Fique de bem com o seu cérebro" (Editora Sextante) e do site O Cérebro Nosso de Cada Dia (www.cerebronosso.bio.br).


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