São Paulo, quinta-feira, 13 de abril de 2006 |
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Outras idéias Não vivendo intensamente
Viver intensamente é um
slogan que, no
Brasil, constantemente
volta à moda. No fim dos
anos 60, Leila Diniz promovia essa filosofia como um
modo de "achar a verdade
nas coisas que faz". Paulo
Coelho, recentemente, disse a "O Globo" que ele só é
VIP se for a sigla de "Vivendo Intensamente o Presente". Mas foi o sucesso do
documentário "Vinicius",
do ano passado, que fez a
mesma mensagem central,
"viver intensamente", voltar a reverberar.
Quando tive uma vida nada monótona, ela só acentuou a minha solidão. Em meados dos anos 70, quando estava com 20 e poucos anos, passei dois anos pegando carona nos Estados Unidos, parando para visitar comunidades hippies, colhendo maçãs, construindo cabanas de toras, aprendendo alpinismo, sendo aprendiz de guia de corredeira e trabalhando como garçom. Foram talvez os meus 24 meses mais fascinantes no planeta -um caleidoscópio de rostos e experiências, sempre mudando. Mas a falta de direção da aventura me deixou desnorteado e desamparado porque não tinha com quem compartilhá-la. Como diz a letra da música do cantor canadense Neil Young: "Se seguir cada sonho, você pode se perder". Quando eu tinha 33 anos, o mesmo espírito cigano me trouxe ao Rio e quase me fez partir. Depois de três anos aqui, eu disse a uma amiga que estava pensando em me mudar para Bancoc, "para ser uma pessoa mais interessante". "Por quê?", ela perguntou. "Você está cercado por gente mais fascinante do que você e quer tirar o atraso?" Quando respondi "não" à pergunta, ela disse: "Então, por que se submeter a essa pressão toda?". Foi quando desci de minha montanha-russa. Casei-me com uma mineira, separei-me quase cinco anos depois e casei-me com uma piauiense, com quem passei os últimos 14 anos. E aprendi a compartilhar a minha vida com outra pessoa. Agora sei não só sobre o início e o fim de uma relação mas sobre o seu longo período central, cuja rotina pode fazer a entrega dionisíaca de Vinicius soar tão glamourosa, tão invejável. Vinicius nunca se enamorou. E, talvez, até tivesse medo do meio da relação, porque ele pulava de sua montanha-russa romântica sempre que ela chegava a um trecho longo e horizontal. Não ter pulado fora nesse trecho tornou as minhas aventuras mais interiores. E, apesar de a minha vida ser caracterizada por colesterol alto e não por altas doses de adrenalina, ainda tem os seus grandes momentos e desafios. Não sou a pessoa mais interessante da festa, mas também não sou o tipo descrito pelo poeta T.S. Eliot em "Prufrock", que mediu a vida com colheres de café. Não vivo com limites auto-impostos sobre o que é considerado comportamento apropriado. A minha vida não é tão controlada, tão convencional assim. E, apesar de dar um documentário chato, tem trechos de harmonia que duram mais do que o poeta que disse "tristeza não tem fim, felicidade sim" pensaria ser humanamente possível. MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 24 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record) www.michaelkepp.com.br Próximo Texto: Pergunte aqui Índice |
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