São Paulo, quinta-feira, 13 de abril de 2006
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Nutrição

Materiais usados na fabricação de utensílios culinários podem transferir para a comida metais bons, como ferro, magnésio, manganês e cálcio, ou prejudiciais, como chumbo, cádmio e níquel

Saúde na panela

FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem quer ter uma alimentação saudável deve levar em conta mais do que o teor de gordura, carboidrato ou vitamina nas refeições. Pouca gente sabe, mas o tipo de panela usado para preparar os alimentos pode fazer diferença na saúde -para o bem ou para o mal: enquanto alguns materiais transferem para a comida minerais benéficos ao organismo, como o ferro e o cálcio, outros podem liberar metais tóxicos, como o chumbo e o níquel.
"Quando pensam em nutrição, as pessoas se preocupam apenas com o alimento. Só que ele interage com os utensílios, o que pode alterar sua composição", diz a nutricionista Késia Diego Quintaes, autora do livro "Por Dentro das Panelas" (ed. Varela), lançado em 2005.
A publicação reúne informações obtidas por Quintaes em vários estudos. Em seu mestrado, por exemplo, ela estudou o esteatito, material mais conhecido como pedra-sabão. "Trabalhei em uma pesquisa na qual identifiquei deficiência de ferro e de cálcio na população. Um dia, fui a Ouro Preto [MG], e um vendedor me disse que aquela panela tinha esses minerais. Resolvi pesquisar a questão", conta.


Os alimentos interagem com os utensílios, o que pode alterar sua composição

O resultado provou o que a cultura popular já pregava: as panelas de esteatito podem prevenir a anemia porque liberam ferro para os alimentos, além de outros minerais benéficos, como cálcio e manganês. Mas elas também transferem um metal tóxico, o níquel, e por isso é preciso submetê-las, antes do uso, a um processo chamado cura.
Outra panela que vem sendo associada pela sabedoria popular à prevenção de anemia é a de ferro. Para os pesquisadores, a afirmação faz sentido. "Cozinhar em utensílios de ferro aumenta bastante o nível do metal na comida -chega a dobrar. Isso pode beneficiar cerca de 10% da população de vários países que têm deficiência de ferro", disse à Folha Helen Brittin, professora da Universidade Texas Tech (EUA), que estuda o tema há mais de 20 anos.
No Brasil, um estudo feito na década de 80 avaliou dois grupos de bebês: um comia alimentos feitos em panelas de ferro, e o outro, em utensílios de alumínio. "O primeiro grupo teve melhores índices de ferro no sangue", diz o autor do estudo, Francisco Martinez, chefe do departamento de puericultura e pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP (Universidade de São Paulo).

Em geral, quanto mais ácido e aquoso é o alimento, maior é a migração

Segundo a nutricionista Sílvia Cozzolino, responsável pelo laboratório de nutrição/minerais da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, o ferro que migra das panelas é menos absorvido pelo organismo do que o que é fornecido por certos alimentos, como o feijão e a carne. "Mas não deixa de ser uma contribuição, caso haja uma necessidade. Mulheres em idade fértil, por exemplo, precisam de 18 mg por dia, o que é difícil de obter só com a dieta. Qualquer fonte pode ajudar", diz.
Não há uma panela ideal, diz Quintaes. "Prefiro trabalhar com indicações para cada caso. Depende do alimento e do consumidor. Uma mulher no climatério não precisa de tanto ferro quanto uma gestante."
Martinez lembra que é importante avaliar a procedência das panelas. "Ouvi dizer que há quem use sucatas para fundir panelas, o que pode ser perigoso para a saúde", alerta.

ALUMÍNIO
Leve e barato, o alumínio é a matéria-prima de mais da metade dos utensílios culinários. As suspeitas de que ele possa ter efeitos ruins existe desde a década de 70. Há quem relacione o mineral, por exemplo, à doença de Alzheimer. De fato, pesquisadores encontraram maior quantia do metal no cérebro de pacientes com a doença. Mas não há nada provado, pois não se sabe se o acúmulo é uma causa ou uma conseqüência do problema.
De qualquer forma, ele não é bom para armazenar alimentos, assim como qualquer panela que libere metais. Isso porque, em geral, quanto maior é o tempo de contato, maior é a migração. Mesmo que a transferência seja de minerais saudáveis, em excesso eles não fazem bem. O vidro -que não libera metais- e o aço inoxidável -que se torna seguro após passar por processo de fervura descrito no quadro nesta página- são boas opções para guardar as refeições por mais de um dia.
O tipo de alimento também interfere na migração. Em geral, quanto mais ácida e aquosa é a preparação, maior é a transferência.

POLÊMICA DO ANTIADERENTE
Panelas com revestimento antiaderente impedem que o metal-base de sua estrutura, em geral o alumínio, migre para a comida. No entanto, há hipóteses -não-conclusivas- de que o material, em contato com o calor e com alimentos protéicos, forme compostos possivelmente cancerígenos.
As panelas esmaltadas também impedem a liberação do metal-base do recipiente. Antes da década de 80, era preciso tomar mais cuidado com elas, assim como com as de cerâmica, pois podiam conter chumbo, metal tóxico que se acumula no organismo. Hoje, já há legislação que controla a questão.
Os especialistas também dizem que as panelas de cobre, muito apreciadas na decoração, não devem ir para o fogão, já que a liberação excessiva do metal pode ser ruim. Aquelas com revestimento não apresentam esse risco.
Jaime Farfan, professor titular do departamento de alimentos e nutrição da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), observa que a fabricação das panelas melhorou na última década, com novas ligas e revestimentos e mais controle sobre a toxicidade.


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