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São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 2003
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s.o.s. família - rosely sayão

Como e por que falar da morte com os filhos

O mundo atual não quer saber da morte. A importância que tem a beleza, os cuidados com a aparência para se manter sempre com ar jovial e não acusar a idade, o investimento na qualidade de vida, que busca evitar doenças e manter a saúde, e o acobertamento dos velhos, por exemplo, são alguns sinais que mostram o quanto evitamos a morte. A morte deixou de ser natural, fazemos de conta que ela não faz mais parte da vida.
Quando alguém morre, sempre surge a pergunta: "Morreu do quê?", como se fosse preciso ter alguma doença ou situação trágica para provocá-la e justificá-la. A idéia de que basta estar vivo para morrer faleceu. E essa é a imagem que o mundo adulto transmite às crianças. Mas, como a morte faz parte da vida, ela sempre se mostra e provoca em quem convive com crianças uma situação constrangedora. O que falar para a criança? Como explicar a morte? Deixar ou não a criança participar do ritual de um funeral? Permitir ou não que ela veja um cadáver? Como reagir e que respostas dar às perguntas naturais que ela faz sobre o assunto? Quando alguém da família tem uma doença grave, é preciso avisar a criança da possibilidade da morte?
Primeiro é preciso considerar que a morte não tem o mesmo sentido para a criança pequena, para o adolescente e para o adulto. Para o adulto, a morte costuma, em geral, provocar duas emoções distintas: sofrimento, quando se trata da morte de uma pessoa querida, e medo, quando se trata de considerar a própria morte. E são essas emoções que o adulto imagina que a criança experimenta também.
Só que a criança ainda não faz uma projeção da própria vida no futuro, ou seja, ainda não tem idéia de que a morte suprime para sempre a presença de alguém, então o sofrimento da perda de alguém pela morte é enfrentado de modo totalmente diferente. Para a criança pequena, perder alguém pela morte ou ter de ficar sem a mãe na escola, por exemplo, pode ter o mesmo sentido.
Por isso a criança não precisa ser poupada da notícia da morte de alguém próximo. Até os nove, dez anos, mais ou menos, a criança não acredita ainda que isso possa acontecer com ela. Ela pode ter medo de que aconteça com os pais, e, quando isso ocorre, basta dizer que os pais só irão morrer quando a vida deles acabar. Isso costuma acalmar a criança. Para os maiores, sinalizar que ela será amada por outras pessoas próximas, protegida e cuidada caso os pais morram antes de ela ter autonomia também ajuda. E, para os pais que professam uma religião e têm crenças a respeito do após-morte, também não há problema nenhum em transmitir isso para a criança, desde que não creditem a essas idéias a capacidade de responder às questões que o tema da morte nela suscita.
E quanto aos adolescentes? Bem, eles têm evitado pensar sobre a própria morte, do mesmo modo que os adultos. Mas pensar na morte tem o potencial de humanizar a vida, de fazer pensar sobre ela. Quem não conhece alguém que, após perder uma pessoa próxima, resolveu mudar algumas -ou muitas- coisas em seu estilo de ser e se relacionar para tentar viver melhor? Isso acontece exatamente quando se considera a morte e sua inevitabilidade.
Muitos adolescentes vivem, na verdade, desafiando a morte para se aproximar da idéia da vida. Basta lembrar dos "rachas", das drogas, dos esportes radicais, por exemplo, que tanto os seduzem. Seria bem mais simples e mais humano se eles pudessem falar sobre a morte, pensar sobre ela, expressar as angústias e os medos que essa idéia provoca neles para que, questionando o assunto, pudessem, enfim, pensar mais e melhor sobre a vida. Mas nem os pais nem as escolas abrem espaço para isso ou estimulam essas conversas. Por puro receio de terem -eles também- de considerar a própria finitude e mortalidade.
É preciso considerar de frente, com crianças e adolescentes, a idéia da morte, já que ela está logo à nossa frente e é justamente o que humaniza a vida.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br


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