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s.o.s. família - rosely sayão
Como e por que falar da morte com os filhos
O mundo atual não quer saber da morte. A
importância que tem a beleza, os cuidados com a aparência para se manter sempre
com ar jovial e não acusar a idade, o investimento na qualidade de vida, que busca evitar
doenças e manter a saúde, e o acobertamento dos velhos, por exemplo, são alguns sinais
que mostram o quanto evitamos a morte. A
morte deixou de ser natural, fazemos de
conta que ela não faz mais parte da vida.
Quando alguém morre, sempre surge a
pergunta: "Morreu do quê?", como se fosse
preciso ter alguma doença ou situação trágica para provocá-la e justificá-la. A idéia de
que basta estar vivo para morrer faleceu. E
essa é a imagem que o mundo adulto transmite às crianças. Mas, como a morte faz parte da vida, ela sempre se mostra e provoca
em quem convive com crianças uma situação constrangedora. O que falar para a
criança? Como explicar a morte? Deixar ou
não a criança participar do ritual de um funeral? Permitir ou não que ela veja um cadáver? Como reagir e que respostas dar às perguntas naturais que ela faz sobre o assunto?
Quando alguém da família tem uma doença
grave, é preciso avisar a criança da possibilidade da morte?
Primeiro é preciso considerar que a morte
não tem o mesmo sentido para a criança pequena, para o adolescente e para o adulto. Para o adulto, a morte costuma, em geral, provocar duas emoções distintas: sofrimento, quando se trata da morte de uma pessoa querida, e
medo, quando se trata de considerar a própria
morte. E são essas emoções que o adulto imagina que a criança experimenta também.
Só que a criança ainda não faz uma projeção
da própria vida no futuro, ou seja, ainda não
tem idéia de que a morte suprime para sempre
a presença de alguém, então o sofrimento da
perda de alguém pela morte é enfrentado de
modo totalmente diferente. Para a criança pequena, perder alguém pela morte ou ter de ficar sem a mãe na escola, por exemplo, pode
ter o mesmo sentido.
Por isso a criança não precisa ser poupada
da notícia da morte de alguém próximo. Até
os nove, dez anos, mais ou menos, a criança
não acredita ainda que isso possa acontecer
com ela. Ela pode ter medo de que aconteça
com os pais, e, quando isso ocorre, basta dizer
que os pais só irão morrer quando a vida deles
acabar. Isso costuma acalmar a criança. Para
os maiores, sinalizar que ela será amada por
outras pessoas próximas, protegida e cuidada
caso os pais morram antes de ela ter autonomia também ajuda. E, para os pais que professam uma religião e têm crenças a respeito do
após-morte, também não há problema nenhum em transmitir isso para a criança, desde
que não creditem a essas idéias a capacidade
de responder às questões que o tema da morte
nela suscita.
E quanto aos adolescentes? Bem, eles têm
evitado pensar sobre a própria morte, do mesmo modo que os adultos. Mas pensar na morte tem o potencial de humanizar a vida, de fazer pensar sobre ela. Quem não conhece alguém que, após perder uma pessoa próxima,
resolveu mudar algumas -ou muitas- coisas em seu estilo de ser e se relacionar para
tentar viver melhor? Isso acontece exatamente
quando se considera a morte e sua inevitabilidade.
Muitos adolescentes vivem, na verdade, desafiando a morte para se aproximar da idéia
da vida. Basta lembrar dos "rachas", das drogas, dos esportes radicais, por exemplo, que
tanto os seduzem. Seria bem mais simples e
mais humano se eles pudessem falar sobre a
morte, pensar sobre ela, expressar as angústias
e os medos que essa idéia provoca neles para
que, questionando o assunto, pudessem, enfim, pensar mais e melhor sobre a vida. Mas
nem os pais nem as escolas abrem espaço para
isso ou estimulam essas conversas. Por puro
receio de terem -eles também- de considerar a própria finitude e mortalidade.
É preciso considerar de frente, com crianças
e adolescentes, a idéia da morte, já que ela está
logo à nossa frente e é justamente o que humaniza a vida.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail:
roselys@uol.com.br
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