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São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 2003
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Diminuir a ansiedade e o medo, repensar os valores e criar novos projetos para a vida são alguns dos objetivos da psiconcologia

Terapia especial ajuda pacientes com câncer

Divulgação
Pacientes aprendem técnicas de relaxamento para lidar melhor com a doença


GUSTAVO PRUDENTE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Cirurgias, sessões de rádio e de quimioterapia e seus efeitos colaterais não são os únicos desafios enfrentados pelos pacientes com câncer. Ansiedade, depressão e medo da morte e do sofrimento também invadem o cotidiano dessas pessoas. Para ajudar a conviver e a superar esses sentimentos, existe um atendimento psicológico especial: a psiconcologia. "Utilizamos os conceitos da psicologia para dar apoio aos pacientes com câncer, aos seus familiares e aos profissionais que trabalham com eles", explica o psiquiatra Vicente de Carvalho, presidente da Sociedade Brasileira de Psiconcologia. O objetivo é lidar melhor com problemas como o forte estigma da doença e a perda de controle sobre a própria vida. Há momentos bastante críticos para o paciente com câncer. O primeiro é quando ele desconfia que pode estar com a doença. O segundo é o da confirmação, ou seja, do diagnóstico, em que vem à tona o medo dos tratamentos, da mudança de rotina e até das despesas com remédios, médicos e internações. Depois do tratamento, há três possíveis "desfechos": a descoberta de metástases (recidivas), que obriga o paciente a encarar uma nova fase de tratamento; a falta de possibilidades terapêuticas, quando o paciente se torna terminal; ou a cura, que, ao contrário do que acontece com outras doenças, não encerra o processo -a pessoa precisa fazer exames periódicos durante alguns anos, sob o fantasma de o câncer voltar. "Quando, por fim, o paciente recebe alta, é necessário reintegrá-lo à sociedade e ao cotidiano", afirma Carvalho. O atendimento psiconcológico trabalha todas essas fases sem adotar uma linha terapêutica específica. "Preferimos tratar questões pontuais, de curto período, porque cada paciente possui suas próprias dúvidas e precisa de resultados rápidos para garantir o compromisso com o tratamento e diminuir a depressão e a ansiedade", explica Carvalho.

Preocupação com os filhos
Quando foi diagnosticado um tumor em seu estômago, em abril do ano passado, o medo da psicóloga Ana Maria Najjar era deixar seus filhos desamparados. "Perdi minha mãe muito cedo por causa do câncer." Ela ganhou o livro "Estações da Vida", de Januária Cristina Alves (224 págs., R$ 30, ed. Arx, tel. 0/xx/11/3649-4610), uma compilação dos testemunhos de pacientes que passaram pelo grupo de apoio psicológico Revida. "Esse livro foi meu companheiro nos quatro meses de tratamento. Foi a partir da esperança que ele me inspirou que cheguei ao Revida", diz. Ela fazia psicanálise individual, mas acredita que o grupo de apoio foi um complemento importante. "O grupo une pessoas tentando superar a mesma doença."
"Os grupos são mais produtivos que o atendimento individual porque o paciente, em geral, é solitário e não quer causar sofrimento para os familiares", diz Virgínia Garcia de Souza, presidente e uma das fundadoras do Revida. Ela afirma que, nos grupos, não há tabus. "Tudo pode ser falado. Procuramos desmistificar a palavra câncer e fazer o paciente ser cúmplice de seu tratamento", afirma.
Souza é uma ex-paciente: teve leucemia há 25 anos, quando não existia tratamento psiconcológico. Anos depois, ela ajudou a fundar o Cora (Centro Oncológico de Recuperação e Apoio) e, mais tarde, o Revida. "O paciente não precisa explicar duas vezes o que está sentindo, pois as coordenadoras, exceto uma, são todas ex-pacientes como eu."
O mito de que o paciente propicia o surgimento da doença por agir de determinada maneira é outro desafio. "A pessoa já está com câncer e ainda precisa carregar essa culpa, o que pode até piorar seu estado. Hoje, sabe-se que os estados emocionais, por si sós, não causam a doença. O que existem são atitudes e estilos de vida que facilitam seu aparecimento, como fumar, viver exposto ao sol ou estar sempre em depressão", explica Carvalho. Maria Teresa Lourenço, diretora do Departamento de Psiquiatria e Psicologia do Hospital do Câncer, critica também a "tirania do pensamento positivo". "O paciente tem sempre de estar bem; se surge uma metástase, ele se sente mal, porque as pessoas dizem que ele não pensou positivo o suficiente." Ao acreditar que é responsável por seu câncer, a pessoa pode procurar tratamento psicológico achando que irá reverter a situação e ficar curada apenas pela mente, o que não é verdade.

"Procuramos ajudar a pessoa a enfrentar a doença como um desafio, um ponto de mutação. Ela pode reavaliar seus valores, suas crenças e suas metas"


Glória Gimenez,
psicóloga

Problemas familiares
Segundo Souza, às vezes o câncer é apenas um "detalhe" na vida do paciente. "Nessa hora, todos os podres familiares surgem." Ou seja, muitos problemas dos pacientes não são causados pela doença, mas amplificados por ela. Algumas mulheres que foram submetidas à mastectomia radical (retirada da mama), por exemplo, queixam-se de que o relacionamento sexual com seus parceiros piorou após a cirurgia, mas, às vezes, elas não tinham se dado conta de que já era ruim antes. Independentemente de quais são os temores e as dificuldades do paciente, o que ele pode esperar de um tratamento psiconcológico é amadurecimento. "Procuramos ajudar a pessoa a enfrentar a doença como um desafio, um ponto de mutação. Ela pode reavaliar seus valores, suas crenças e suas metas", afirma a psicóloga Glória Gimenez, uma das fundadoras do Neppon (Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psiconcologia), em São Paulo. "A psiconcologia é voltada para que a pessoa faça um novo projeto pelo qual vale a pena viver. No final das contas, muitos pacientes acham que o câncer foi um dos momentos mais positivos de suas vidas", diz Gimenez. Em 1988, quando a professora aposentada Márcia (nome fictício) descobriu metástases do câncer de mama que tivera seis anos antes, ela passou a frequentar o grupo de apoio do Cora. Em seguida, passou para o atendimento individual, que mantém até hoje. "Houve outras recidivas, mas enfrentei muito bem. No Cora, ganhei uma fita que ensina a fazer relaxamento três vezes por dia e nunca deixei de praticar", diz ela. Embora ajude bastante os pacientes, a psiconcologia ainda enfrenta muita resistência. "Infelizmente, é considerada um luxo", diz Carvalho. O preconceito é grande principalmente entre os homens. "Grande parte dos pacientes são mulheres. O homem é mais duro com ele mesmo", diz Virgínia Souza.


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