São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 2008
Próximo Texto | Índice

OUTRAS IDÉIAS

WILSON JACOB FILHO


Exemplos


[...] SÃO MUITAS AS OPORTUNIDADES EM QUE ALGUÉM SE PROPÕE A CONVENCER O OUTRO A FAZER AQUILO QUE NÃO FAZ; NA SAÚDE, ESSA SITUAÇÃO SE REPETE COTIDIANAMENTE

Acabo de voltar de uma viagem aos EUA, onde participei da Conferência Internacional sobre Doença de Alzheimer, em Chicago e, em seguida, visitei um grande centro de ensino e pesquisa em Washington. Tenho muito a comentar sobre essas atividades científicas, mas prefiro ressaltar o que mais me chamou a atenção.
Foram inúmeras as vezes em que me deparei com avisos sobre o perigo do desmatamento e a ameaça à fauna e à flora da região amazônica e do Centro-Oeste brasileiros. Todos alertando para as suas conseqüências e clamando por uma atitude que evite pôr em risco a sobrevida do planeta.
Com um pouco mais de atenção, pude encontrar, nos mesmos ambientes, inúmeros exemplos de espécies extintas, áreas devastadas, rios poluídos e desequilíbrios da biodiversidade ocorridos em diversos países do hemisfério Norte durante seu desenvolvimento.
Obviamente nenhum de nós deseja que isso também ocorra em nosso território, mas, por outro lado, não é admissível que sejamos repreendidos por aqueles que não souberam fazer bem a sua parte nem assumir seus erros e, com isso, tornarem-se bons exemplos.
Confesso que saí indignado com essa tentativa de nos impor o "faça o que eu digo e não o que eu faço ou fiz". Esse tipo de atitude não educa nem estimula a ação mais adequada.
Ampliando, porém, o espectro dessa percepção, podemos notar em quantas outras situações essa condição se repete.
São muitas, posso garantir, as oportunidades em que alguém se propõe a convencer o outro a fazer aquilo que não faz.
Na área dos cuidados com a saúde, essa situação se repete cotidianamente. Muitos sabem o que fazer, mas pouco o fazem.
Não há quem desconheça os malefícios do tabaco. Mas não é raro encontrar quem preconize inúmeras ações promotoras de saúde, incluindo o uso de vitaminas e antioxidantes, e continue fumando intensamente.
O mesmo ocorre com as bebidas alcoólicas: há grande ênfase para coibir o usuário de dirigir, o que é inquestionável, mas pouca ou nenhuma intenção de estimulá-lo a interromper o uso abusivo desse agente agressor, cujos prejuízos individuais e sociais vão muito além dos acidentes de trânsito.
Poucos vêm a público ressaltar que os bons hábitos foram essenciais para obter o seu sucesso ou, pelo contrário, que os maus cuidados com a saúde foram determinantes ao seu insucesso. Ainda me lembro, com pesar, de uma eminente figura pública que, depois de muitas décadas de tabagismo, etilismo e vida absolutamente desregrada, atribuiu suas limitações à idade, dirigindo impropérios à própria longevidade. Não soube ser generoso e se tornar um exemplo de como não fazer.
Nesse sentido, compartilho do pensamento do médico e filósofo Albert Schweitzer (1875-1965), para quem "dar exemplo não é a melhor maneira de influenciar os outros. É a única".
Assim, convoco todos a sermos mais críticos com os exemplos que damos e mais questionadores com aqueles que nos dizem o que, quanto e como devemos fazer, sem serem exemplos da eficácia dessas atitudes.


WILSON JACOB FILHO , professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)

wiljac@usp.br



Próximo Texto: Pergunte aqui
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.