São Paulo, quinta-feira, 14 de setembro de 2000
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

outras idéias
Um dos maiores desafios no relacionamento é estabelecer um ponto de equilíbrio entre o prazer pessoal e a satisfação do próximo
Em busca da zona de conforto

Fabio Steinberg

Esse tal de relacionamento humano é muito complexo! Alguns tentam dar ao assunto um toque de ciência. Mas a maioria de nós, menos filosóficos e mais pragmáticos -até porque nem sabe direito o que estas coisas significam-, vai tocando a vida da melhor maneira. Na falta de algo melhor, improvisa diante das situações, com base na experiência ou no ensaio e erro.
Mas por que estou falando sobre isso? Ah, sim, ia discutir o conceito de zona de conforto -aquele raro momento em que uma pessoa se sente bem consigo, num delicado equilíbrio entre satisfação física e espiritual. Pois bem: basta chegarmos lá, que aparece algum fulano e nos tira do sério, ao nos transferir o seu problema. E que, diga-se de passagem, não nos pertence, mas que, daí para a frente, passa a infernizar a nossa existência.
Quer um exemplo? Você está dirigindo no trânsito caótico. Como bom cidadão, segue as leis, comporta-se com civilidade no pior dos engarrafamentos. De repente, quase atropela um motoboy que surge do nada. Pelo retrovisor, vê atrás outro motoqueiro, e outro, e outro... De forma irresponsável, alta velocidade, faróis acesos, buzinas irritantes, eles chegam. Ok, talvez você até esteja um pouco fora da sua faixa de rolamento. Mas isso não é razão para que os rapazes xinguem e soquem a lataria do carro. Dali para a frente, você tem que se preocupar ao mesmo tempo com a sua direção e com algum louco que possa surgir do nada.
Quer outro exemplo, agora mais caseiro? Você resolve fazer um churrasco para comemorar os 50 anos de casamento dos seus pais. Compra todos os ingredientes. Aí, na hora de fazer a lista dos convidados, você descobre que:
a)- sua irmã é vegetariana radical, dessas que não só não abre a boca para as carnes como também não suporta ver nem cheirar. Se for churrasco, ela não vai;
b)- os seus melhores amigos vão viajar na data da efeméride, que é um dia perfeito, um sábado. A menos que você troque a data, eles não vão;
c)- a cozinheira que você quer contratar, já que todos os locais externos que você gostaria estão lotados para os próximos meses, diz que tem um batizado bem naquele fim-de-semana;
d)- o seu condomínio comunica que vai reformar a estrada de acesso e será necessário usar um atalho onde tradicionalmente todos se perdem.
Agora, você tem duas opções: agrada todo mundo, fazendo uma feijoada vegetariana em um fim-de-semana que não tem nada a ver com a data real do casamento dos velhos, ou desiste de tudo e dá um beijo na bochecha dos seus papais e manda tudo às favas. Senhoras e senhoras, façam suas escolhas e boa viagem!
Infelizmente, esses fatos não se limitam ao mundo exterior ou a ocasiões especiais. Estão presentes no cotidiano. É um filho que volta para casa na manhã do dia seguinte e traz intranquilidade. É um vizinho que invade a privacidade pedindo açúcar, vodca e limão no meio da noite. É um chefe que exige dedicação extra-horas, além do razoável. É um conhecido superficial que, sem pudor, pede dinheiro emprestado. É um relacionamento do passado que se materializa no presente e exige compromisso e dedicação para o futuro. É uma televendedora que empurra algo que não diz respeito à sua vida. É a sua tentativa de tanto agradar a uma visita que faz de você um intruso em sua própria casa. Os exemplos são inúmeros, e cada um tem a sua própria lista.
Pois, como dizia no começo, um dos maiores desafios no relacionamento, e que nenhum compêndio de auto-ajuda soluciona, é estabelecer um ponto de equilíbrio entre o prazer pessoal e a satisfação do próximo. Muitas vezes, ao buscar a felicidade dos outros, nós é que perdemos a zona de conforto.
Bom, terminou o espaço, e apenas apresentei o problema. Não inventei nem ouvi falar em fórmula que garanta esse equilíbrio. Alguém se habilita?


FABIO STEINBERG é consultor em comunicação empresarial e responsável pelo site www.ficcoesreais.com.br



Texto Anterior: Peça rara - Sílvia Moraes: Pelúcia para o cão, pena e silicone para ela
Próximo Texto: Outros rumos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.